Storytelling e
Transmídia: afinal, o que é e para que serve?
Bruno Scartozzoni
Depois de alguns anos trabalhando
com publicidade, e sempre ansioso pela próxima tendência que iria revolucionar
tudo, comecei a perceber que, uma a uma, todas elas iam ficando pelo caminho.
Isso e minha paixão por cinema me levaram a parar de correr atrás do próprio
rabo e estudar melhor a essência da comunicação humana.
Há pelo menos quatro anos venho
pesquisando bastante sobre como a arte de contar histórias pode ser aplicada
para vender produtos, serviços e idéias, aproximando as pessoas das empresas. Em
2008 co-fundei o primeiro escritório brasileiro especializado em criar
histórias ficcionais para empresas (os cases continuam no ar) e isso acabou
gerando conhecimento prático e outros projetos legais, como o curso que fui
convidado para dar na ESPM-SP, que começa daqui 20 dias: Inovação em
Storytelling – do branded content à transmídia (inscrições aqui).
De uns tempos para cá muitas
pessoas têm se interessado por esse assunto, mas com a falta de boas
referências e também por causa do buzz, acaba se falando muita besteira e se
confundindo alhos com bugalhos. Por isso resolvi escrever um guia rápido para
desmistificar conceitos e abrir portas para aqueles que queiram se aprofundar,
ou pelo menos entender do que se trata. Vamos lá.
O QUE É STORYTELLING?
Storytelling pode ser definido de
várias maneiras, mas a que importa nesse caso é que se trata de uma poderosa
ferramenta para compartilhar conhecimento, utilizada pelo Homem muito antes do
que qualquer mídia social. Para ser mais exato, há algo em torno de 30 a 100
mil anos, quando acredita-se que o Homo Sapiens Sapiens desenvolveu a
linguagem.
Para entender essa ferramenta é
preciso saber a diferença entre duas palavras da língua inglesa: “history” e
“story”. A primeira está relacionado com fatos reais, como a queda do Império
Romano ou alguma coisa que aconteceu na sua vida, rotina ou não. A segunda é
uma estrutura narrativa, geralmente ligada à ficção, mas não necessariamente.
Na língua portuguesa o correto é escrever “história” para ambos os casos, por
isso, a partir de agora, entendam que sempre estarei me referindo à “story” ok?
Contar uma história é encadear eventos de maneira lógica, dentro de uma
estrutura com certos padrões que, de forma muito resumida, são:
- Uma quebra de rotina. Histórias
são sempre sobre eventos extraordinários. A não ser em “filmes de arte”, não há
motivo para contar uma história sobre o cotidiano.
- Pelo menos um protagonista, que
é o personagem com o qual as pessoas devem se identificar. Ele sempre deve
estar buscando algo.
- Pelo menos um antagonista, que
pode ser desde um super-vilão estereotipado até uma sociedade inteira, uma
doença, o tempo etc. O importante é criar obstáculos para o protagonista.
- Conflito, ou seja, a tensão
desse embate entre os elementos opostos. É isso que segura a atenção do
público.
- Uma sequência de eventos com
começo, meio e fim, passando por pelo menos um climax. O famoso “plot“,
essencial para que a história faça sentido para as pessoas.
Por incrível que pareça essa
estrutura narrativa é utilizada desde quando nossos ancentrais se sentavam em
torno das fogueiras e contavam sobre caçadas. Dessa forma, além de entreter a
tribo, eles conseguiam “viralizar” e perpetuar suas aventuras, onde estavam
contidos conhecimentos necessários para sua sobrevivência, desde coisas
práticas até expectativas da conduta dentro daquele grupo, passando por
tentativas de explicar os mistérios da vida e do universo.
No melhor espírito “quem conta um
conto aumenta um ponto”, essas histórias vão se modificando e daí nascem as
mitologias, dando forma às culturas locais. Depois temos a invenção da
literatura, teatro, cinema, quadrinhos, videogames e uma infinidade de meios e
estilos cujos objetivos do ponto de vista da sociedade são exatamente os mesmo
desde sempre.
Se isso te interessa, aí vai uma
dica: O Poder do Mito, série de entrevistas com o mitologista Joseph Campbell.
Tem em livro ou DVD.
POR QUE UTILIZAR STORYTELLING
Guardamos uma informação mais
facilmente quando ela está envelopada nesse tipo de estrutura. O segredo está
em atribuir significados emocionais à elementos técnicos por meio de um
contexto. Se você assistiu O Náufrago, sua percepção sobre uma bola de vôlei da
Wilson é completamente diferente da percepção de uma pessoa que não viu o
filme, ou então em relação à uma bola tecnicamente idêntica, só que de outra
marca.
Se você gosta de dados, o
renomado psicólogo Jerome Bruner descobriu que um fato tem 20 vezes mais chance
de ser lembrado se estiver ancorado em uma história. Em outras palavras, tendemos
a achar que nossa memória funciona como um álbum de fotos, mas na verdade ela
está mais para uma coleção de filmes. Se você gosta de neurociência, dá uma
olhada nos neurônios espelhos.
COMO POSSO UTILIZAR STORYTELLING?
Há uma infinidade de formas, com
maiores ou menores graus de dificuldade e eficiência. A mais básica seria pegar
a história real da sua marca, ou seja lá o que estiver querendo vender, e
reorganizar os fatos de forma que estejam dispostos em uma estrutura de
história. Mais ou menos como um filme “baseado em histórias reais“. O problema
é que nem sempre dá para garantir que a marca tenha uma “history” legal o
bastante para render uma boa “story”. Teoricamente você pode fazer um filme
baseado em qualquer coisa, mas daí para ser um sucesso de bilheteria é um gap
enorme. Um filme sobre o Steve Jobs e a Apple provavelmente seria bom, mas no
mundo corporativo isso é exceção.
Na outra ponta tem a ficção, que
permite um controle muito maior dos personagens e do plot, aumentando as
possibilidades de engajamento e também de desdobramentos. Dois exemplos de como
isso pode ser feito:
- Popeye, o herói marinheiro
criado em 1929, originalmente não precisava comer espinafre para ganhar força.
Esse elemento da história só foi introduzido algum tempo depois, quando houve
as primeiras adaptações dos quadrinhos para o cinema. Dizem que isso teria sido
um product placement de uma empresa de espinafre. Verdade ou não, o fato é que
o desenho aumentou o consumo de espinafre nos EUA em 30% nos anos subsequentes,
salvando esse segmento de uma crise.
- Coca-Cola Happiness Factory,
famoso case da W+K, é um exemplo mais moderno de como um universo ficcional
pode ser criado para uma marca. Trata-se um mundo que se passa dentro da
vending machine, com personagens e regras próprias. Teria sido melhor ainda se
o universo e personagens funcionassem suficientemente bem fora do ambiente de
comunicação da Coca-Cola, por exemplo, sustentando um longa metragem ou uma
série de quadrinhos. Não chegou lá, mas quase.
- No meio do caminho entre esses
dois extremos, dá para, por exemplo, pegar carona com product placement em uma
outra história.
O QUE É TRANSMÍDIA?
Não compre uma coisa antiga pelo
preço de uma novidade, transmídia, no contexto do mercado publicitário, é só um
termo repaginado para os antigos “comunicação 360º” ou “comunicação integrada”.
Já transmídia storytelling é
contar uma história (“story”) por meio de diferentes mídias, tendo consciência
de que cada uma exige uma narrativa específica e atinge públicos diferentes. O
primeiro universo ficcional criado desde o início com esse propósito
provavelmente foi o de Matrix, tendo a trilogia de filmes como o núcleo desse
universo, e depois uma série de produtos que aprofundavam a história em outros
meios, para uma parte mais engajada do público: animação, quadrinhos, videogame
etc. Em cada um desses casos era contada outra parte da história, ligada ao
núcleo, porém diferente dele.
É possível dizer que Star Wars
foi a franquia que deu o pontapé inicial desse movimento, comercialmente
falando, embora originalmente esse universo não tenha sido concebido para esse
propósito.
No âmbito da comunicação de
marcas, as técnicas de transmídia storytelling podem ser utilizadas para fazer
uma amarração contextual mais elaborada e potencialmente mais engajadora entre
as diferentes mídias de uma campanha. A própria Coca-Cola Happiness Factory é
um exemplo disso. O problema é que se presta muita atenção nas mídias e novas
tecnologias, mas esquecem que sem uma boa história o resto não funciona.
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