terça-feira, dezembro 08, 2015




Depois de ter dedicado um texto ao primeiro termo da divisa utilizada pela maçonaria de língua inglesa, Amor fraternal, e um segundo texto dedicado ao segundo termo, Auxílio, encerro o ciclo com algumas considerações sobre o terceiro termo da trilogia, Verdade.

Este tema, já foi soberbamente tratado neste blogue pelo Paulo M., num conjunto de cinco textos que intitulou "Perceção, verdade e tolerância", que facilmente pode ser localizado através do marcador Verdades. Em muito concisa, e por isso grosseira, súmula,no primeiro desses textos, assinala-se a limitação dos nossos sentidos e do nosso cérebro no que toca ao reconhecimento do que designamos por verdade. No segundo, as limitações que a linguagem coloca à transmissão da verdade percecionada. No terceiro, a diferença entre a ciência e a fé, entre o que se sabe ser verdade e o que se crê o seja. No quarto desses textos, refere-se como cada uma das várias religiões possui, não uma, mas a (sua) verdade, a qual é incompatível, pelo menos na sua totalidade, com as igualmente absolutas verdades das demais religiões. Finalmente, no último desses textos, assinala-se que a maçonaria não toma partido entre religiões, até porque "não pretende, ao contrário da Religião, tratar da relação entre o Homem e o seu Criador; apenas trata da relação entre o Homem e o Homem".

Mas então se os nossos sentidos e o nosso cérebro são suscetíveis de ser enganados na determinação da verdade, que Verdade é essa que a Maçonaria enfatiza na sua divisa? Se a nossa linguagem é inevitavelmente imperfeita na transmissão da Verdade, que Verdade transmitem os maçons? Se o que se sabe ser verdade em bom rigor não é completa e absolutamente demonstrável, apenas se pode almejar a concluir que não está demonstrado ser falso, e se há verdades que não são passíveis de serem demonstradas pela razão, qual, afinal, o objeto da Verdade da divisa maçónica? 

A meu ver, a resposta está, não na busca do Absoluto, mas na descoberta do individual. A Verdade Absoluta é inatingível aos humanos, pelo menos neste plano da existência. Pelo método científico, a Humanidade vai-se cada vez mais aproximando da fixação de muitos aspetos da Verdade - mas frequentemente, cada novo avanço num aspeto acaba por impor a conclusão de que o que se tinha por certo noutro aspeto, afinal não é verdadeiro. Muitas "verdades" científicas de ontem está hoje comprovado que afinal não são tão verdadeiras. Quantas verdades científicas hoje indiscutivelmente aceites amanhã se comprovará afinal não serem bem assim? A crença, ou a fé, bem vistas as coisas, não passa de um (necessário?) artifício que nós, imperfeitos humanos, utilizamos para conformarmos a nossa necessidade de atingir a verdade à inevitabilidade da impossibilidade de satisfação dessa necessidade.

A Verdade que importa, a Verdade da divisa, então não estará no inatingível conceito absoluto, mas apenas - e muito é! - em cada um de nós. A Verdade que interessa é a Verdade do que cada um É. Não é isto de pouca monta! Cada um tomar consciência da sua Verdade, do que efetivamente É, despojado de todas as máscaras, artifícios e armaduras que a Vida nos constrange a usar para (sobre)vivermos em Sociedade, não é tarefa simples nem fácil. Os nossos instintos básicos (desde logo o de sobrevivência), combinados com os condicionamentos da nossa educação e aprendizagem, condicionam-nos, desde muito cedo e muito profundamente a escondermos as nossas imperfeições, incapacidades, fraquezas, dos outros. Aprendemos que estas imperfeições, incapacidades, fraquezas, são vulnerabilidades que constituem alvos para os ataques de outrem. Por isso, desde a mais tenra infância vamo-nos condicionando (viciando?) a escondê-las de todos os outros. E acabamos por o fazer tão bem, mas mesmo tão bem, que até o escondemos de nós próprios! Acabamos por fingir para nós próprios sermos algo diferente do que na realidade somos. Essa inconsistência entre a nossa imagem - perante os outros e perante nós próprios - e a nossa verdadeira natureza, mais tarde ou mais cedo paga-se, por vezes com preço elevado. O nosso desconforto com a inconsistência entre o que somos e o que nos obrigamos a mostrar (e a mostrar-nos...) paulatinamente vai pesando, vai-nos limitando, vai-nos afetando, vai-nos desgastando. Alguns sentem-no como um simples cansaço (quão disparatado é classificar de simples o cansaço de nós próprios...), que vamos gerindo com uma férias ou uns momentos de cumplicidade e recolhimento com os nossos entes queridos. Outros vão cada vez gerindo pior a situação e sobrevêm as depressões, as perdas do gosto da vida...

A solução está em perder o receio e adquirir a capacidade de espreitar por debaixo da armadura, por detrás da máscara, ignorando os artifícios, e confrontarmo-nos com o que realmente somos, identificando as nossas forças, mas também as nossas fraquezas, as nossas virtudes e os nossos vícios, os nossos anseios e os nossos medos. Essa audácia permite-nos reconhecermo-nos de novo a nós próprios, como realmente somos e não como mostramos, possibilita-nos a lufada de ar fresco do reencontro com a nossa pureza - a pureza que julgávamos perdida e que, afinal, cada um de nós conserva, só que que subjugada, embrulhada, tapada, escondida, por mil e um artifícios, máscaras, armaduras e desculpas.

Esse trabalho de redescoberta da nossa Verdade é propiciado pela vivência maçónica. E é libertador. Da ganga que insensivelmente fomos acumulando, do peso de tudo o que usamos para nos escondermos. Torna-nos mais livres e mais leves!

Mais: os maçons aprendem não apenas a redescobrir a Verdade que efetivamente são e escondem dentro de si, mas também a partilhar essa Verdade com os seus Irmãos, permitindo-se despojar das suas defesas perante estes - porque sabem que, em Loja e entre as Colunas de seus Irmãos estão seguros e protegidos e livres de ataques. Assim cada um não só pode ver-se como na Verdade é, como também pode ter a noção de como realmente são os seus Irmãos. E essa mútua transparência permite que todos se descubram, afinal, tão profundamente iguais, no fundo das suas incomensuráveis diferenças! Talvez isto permita perceber porque e como se estabelecem os fortes e profundos laços entre os maçons!

A Verdade da divisa é, afinal, a Verdade inerente a cada um, por ele redescoberta e posta em comum com os seus Irmãos.

É na franca exposição da Verdade que cada um é que se possibilita identificar o Auxílio de que cada um carece e do que cada um pode prestar e a todos envolver no Amor Fraternal.

Rui Bandeira

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