Fernando Liguori
Palavras iniciais
O conhecimento tem preço? Não. Não há dinheiro nesse mundo que pague o valor do conhecimento, da mesma maneira que não há dinheiro que compre o carinho de uma mãe, os laços de amizade com alguém ou a cura de um médico. Seria tão bom poder consultar um médico de calibre sem ter de pagá-lo. Seria tão bom participar de cursos, viagens e aprofundamentos vivenciais no campo do Ocultismo sem precisar pagar nada por isso. Seria muito bom...
Essa é uma ideia que permeia a mente dos ocultistas brasileiros, mas é uma ideia equivocada. Eu diria que é a mente pensando de maneira «desordenada», um «absurdo». Todo médico precisa comer, por isso seu trabalho não pode ser de graça. Livros, cursos e material para aprofundamento também custam dinheiro. Com essa ideia em mente, os ocultistas brasileiros pensam que podem aprender de graça. Pensam que as pessoas são obrigadas a ensinar de graça. Essa ideia ridícula torna o Ocultismo uma prática insustentável e o presente texto se opõe a esse despautério dos «buscadores» brasileiros.
Mas esse é um campo perigoso, então temos de ter cuidado. Apesar de termos noção da faixa de valores que se paga por uma aula de Ocultismo (Magia, Hermetismo, Qabalah, Thelema etc.), o que a Tradição Esotérica Ocidental diz sobre isso às vezes passa despercebido. Seja como professor ou aluno o quanto custa uma aula de Ocultismo é sempre um assunto amplamente discutido. Alguns dizem que é muito barato pelo resultado proposto, outros dizem que o Ocultismo e o conhecimento espiritual de uma forma geral, deveriam ser de graça. Existem alunos que só valorizam quando o preço é alto e professores que cobram baixo e acreditam que essa é a sina do iniciado. E por fim alguns ocultistas conseguem realmente viver do Ocultismo e alunos pagam as aulas com prazer. Qual a verdade de tudo isso? Ocultismo deveria ser de graça?
Quanto vale uma aula de ocultismo?
No Ocidente existe essa ideia de que o conhecimento espiritual deveria ser gratuito. Talvez ela tenha surgido por influência da Igreja que por defender o «direito do homem aos céus» e propor seu trabalho de «salvação» pela causa do próximo, tenha construído na nossa mente uma espécie de dissociação entre o dinheiro e os «céus» que representam para muitos o conceito de espiritualidade. O dinheiro ainda é chamado de «demônio» ou «tentação», e os monges fazem voto de pobreza, apesar de viverem em uma das instituições mais ricas na história da humanidade. Não temos nada a ganhar em criticar a história ou a Igreja e com certeza existem pessoas sinceras e vários tipos de administração para essa instituição. Seria injusto condenar, porém não podemos negar que esses conceitos são muito bem enraizados na nossa cultura ocidental e nesse reconhecimento reganhamos consciência sobre esse assunto e podemos mudar.
Se não bastasse essa influência religiosa, existe ainda a influência da mentalidade capitalista. O capitalismo produz em geral dois efeitos: a supervalorização do dinheiro, tornando-o tão forte que vira uma espécie de tesouro fazendo a vida girar em torno dele; e uma paranoia coletiva, onde pensamos que todo mundo a todo o momento só quer pegar o que é nosso ou até mesmo nos enganar.
Nos dias de hoje, realmente, o dinheiro é um assunto importante para quem deseja o conhecimento, pois ele tem um papel importante na nossa mente e naturalmente na nossa vida. O uso inapropriado do dinheiro é um distúrbio, pois é um uso inapropriado de si mesmo. O dinheiro representa o «nosso suor», os dias trabalhados, o esforço… E ele é tão forte e sutil que em folha de papel podemos fazer um cheque que representa todo o valor produzido por nós em uma vida inteira. Assim, para um ocultista, uma boa relação com o dinheiro é fundamental para ter uma mente equilibrada. E a boa relação com o dinheiro é que o fluxo de dinheiro «flua» proporcionalmente para aquilo que a pessoa valoriza.
Somos capazes de gastar R$ 500,00 (quinhentos reais) em um uma bolsa ou restaurante, mas consideramos o mesmo valor caro para uma aula de Magia. Gastamos R$ 10.000,00 (dez mil reais) para visitar a «terra dos magos» e não somos capazes de dar R$ 10,00 (dez reais) para um mendigo na porta da Igreja. E ainda queremos fazer grandes negócios até mesmo com nossos supostos amigos e parentes onde «você me dá tudo e eu não te dou nada», queremos consultas de graça, serviços e soluções para nossas vidas. Uma «cara de pau» sustentada pela fantasia de que estamos ainda fazendo um grande favor ou que pagaremos depois de outras formas. Temos a impressão que estamos economizando no bolso, mas estamos economizando no coração e nos tornando cada vez mais alienados do mundo, separados por essa barreira do «demônio», o dinheiro.
A Tradição Esotérica Ocidental propõe que o dinheiro representa a densificação de um fluxo de energia denominado prāṇa. Nos termos técnicos, mūla-prāṇa, a energia fundamental que sustenta, que alimenta ou «energia raiz», que provê sustentação. A tradição ensina que quando adquirimos maestria sobre esse fluxo de energia, certo nível de equilíbrio foi conquistado. È um desequilíbrio, um desajuste da mente, pagar R$ 500,00 por uma bolsa e negar R$ 5,00 a um mendigo precisando de um prato de comida. Esse desajuste encerra quando conseguimos espiritualizar o fluxo de energia. Na Índia, curiosamente, esse pensamento é diferente. Os Vedas ensinam que o dinheiro é um devata, um aspecto divino muitas vezes chamado pelo nome de Mahālakṣmi – a Deusa da riqueza. Nessa tradição ela tem que ser sempre bem tratada para que nossos empreendimentos deem certo, sejam eles quais forem. Talvez alguns mestres não estabeleçam preço ou uma mensalidade, mas mesmo no coração da Índia, de acordo com os Vedas, não existe aula de graça. A vida de aluno, «brahmacarin», é uma vida de seva, serviço ao mestre, onde se trabalha muito. Isso acontecia não só porque mestre e alunos moravam juntos, mas porque enquanto estudam os alunos muitas vezes não tem condição de pagar pelos seus custos. E por isso tradicionalmente ao completar o estudo a pessoa para poder casar e seguir sua vida em frente tinha que trabalhar alguns anos para pagar ao mestre, ao local de estudo e por tudo que ele recebeu.
Da mesma maneira a tudo na tradição védica existe uma troca, que não é necessariamente financeira, mas ela sempre está presente. Quando você vai ao médico, você paga. Quando alguém faz um ritual, os pujares e até mesmo as pessoas que ajudam recebem um dinheiro. Quando você vai ao astrólogo, você paga pela consulta. E até mesmo quando você faz aniversário, é você quem paga. Na Índia o aniversariante não recebe presentes, o aniversário é visto como uma oportunidade de oferecer comida para todos os seus amigos e a comunidade. E ainda através deles, que ritualisticamente representam seus antepassados, a pessoa agradece por tudo que recebeu na sua vida.
Essa visão e jeito de lidar com o dinheiro não é transformar a espiritualidade em um comércio, mas se a pessoa for capaz de espiritualizar o seu dinheiro, a sua própria vida deixa de ser um comércio. A verdade é que a vida é composta de muitas coisas que não podem ser compradas e muito poucas que o dinheiro pode pagar. Qual o valor de um pai? E uma mãe? Quanto custa a paz e a felicidade de uma pessoa? Quanto vale saber o remédio correto quando se está doente? Quanto custa um abraço? E um sorriso? Quanto se pagaria por mais um ano de vida?
Quando estamos lidando com Ocultismo e tudo que esse nome comporta, dos rituais cerimoniais, dos nomes bárbaros de evocação, das consultas ao Tarot, do estilo de vida e do próprio conhecimento, existe realmente um valor para tudo isso? Ninguém realmente pode pagar por isso, mas talvez possamos pagar o tempo do professor, ou o aluguel da sala, mas esse conhecimento vem vindo atravessando eras, de professor a aluno. De verdade, ninguém pode cobrar por ele, porque ele não pertence a ninguém, e ninguém pode pagar por ele porque ele não tem preço. Então quem ensina cobra o suficiente para ter um padrão de vida aceitável e faz valer todo o seu tempo dedicado a isso. Como em uma aula de qualquer outro assunto, sua contribuição é dar o melhor de si pelos alunos; e quem estuda contribui proporcionalmente a suas capacidades e seu papel é fazer com que esse conhecimento possa continuar fluindo para os próximos, como também deveria ser para qualquer outro assunto que se valoriza. Essa atitude de contribuição transforma o pagamento em o que é chamado de «dakṣṇa». Dakṣṇa é um oferecimento, uma contribuição, a nossa parte, a nossa retribuição, o reconhecimento pelo que é dado a nós em cada aspecto das nossas vidas; e o respeito com os nossos próprios valores e as pessoas ao redor
Extraído do Blog Circulo Tifoniano
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