Sobre o erro dos
antimaçons
por Fernando Pessoa (em 04/02/1935)
A Maçonaria compõe-se de três elementos: o elemento iniciático, pelo
qual é secreta; o elemento fraternal; e o elemento a que chamarei humano — isto
é, o que resulta de ela ser composta por diversas espécies de homens, de
diferentes graus de inteligência e cultura, e o que resulta de ela existir em
muitos países, sujeita portanto a diversas circunstâncias de meio e de momento
histórico, perante as quais, de país para país e de época para época, reage,
quanto a atitude social, diferentemente.
Nos primeiros dois elementos, onde reside essencialmente o espírito maçônico,
a Ordem é a mesma sempre e em todo o mundo. No terceiro, a Maçonaria — como
aliás qualquer instituição humana, secreta ou não — apresenta diferentes
aspectos, conforme a mentalidade de maçons individuais, e conforme
circunstâncias de meio e momento histórico, de que ela não tem culpa.
Neste terceiro ponto de vista, toda a Maçonaria gira, porém, em torno de
uma só ideia — a tolerância; isto é, o não impor a alguém dogma nenhum,
deixando-o pensar como entender. Por isso a Maçonaria não tem uma doutrina. Tudo
quanto se chama "doutrina maçônica" são opiniões individuais de
maçons, quer sobre a Ordem em si mesma, quer sobre as suas relações com o mundo
profano. São divertidíssimas: vão desde o panteísmo naturalista de Oswald Wirth
até ao misticismo cristão de Arthur Edward Waite, ambos eles tentando converter
em doutrina o espírito da Ordem. As suas afirmações, porém, são simplesmente suas;
a Maçonaria nada tem com elas. Ora o primeiro erro dos antimaçons consiste em
tentar definir o espírito maçônico em geral pelas afirmações de maçons
particulares, escolhidas ordinariamente com grande má fé.
O segundo erro dos antimaçom consiste em não querer ver que a Maçonaria,
unida espiritualmente, está materialmente dividida, como já expliquei. A sua ação
social varia de país para país, de momento histórico para momento histórico, em
função das circunstâncias do meio e da época, que afetam a Maçonaria como
afetam toda a gente. A sua ação social varia, dentro do mesmo país, de
Obediência para Obediência, onde houver mais que uma, em virtude de
divergências doutrinárias — as que provocaram a formação dessas Obediências
distintas, pois, a haver entre elas acordo em tudo, estariam unidas. Segue de
aqui que nenhum ato político ocasional de nenhuma Obediência pode ser levado à
conta da Maçonaria em geral, ou até dessa Obediência particular, pois pode
provir, como em geral provém, de circunstâncias políticas de momento, que a
Maçonaria não criou.
Resulta de tudo isto que todas as campanhas antimaçônicas — baseadas
nesta dupla confusão do particular com o geral e do ocasional com o permanente
— estão absolutamente erradas, e que nada até hoje se provou em desabono da
Maçonaria. Por esse critério — o de avaliar uma instituição pelos seus atos
ocasionais porventura infelizes, ou um homem por seus lapsos ou erros
ocasionais — que haveria neste mundo senão abominação?
Imagem: de Almada Negreiros, "Retrato de Fernando Pessoa", de
1964. Coleção CAM, FCG, Lisboa.
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