MITOS E ARQUÉTIPOS
Luciana Elisabete Savaris
Luciana Elisabete Savaris
Esse texto terá como base de reflexão o seguinte
questionamento: “Porque o estudo dos mitos para compreensão dos arquétipos?”
Cabe primeiramente algumas ressalvas teóricas, trazendo
assim a idéia dos termos mito e arquétipo numa visão utilizada pela psicologia
analítica; quando se pensa em arquétipo logo nos vem a mente Jung, porque foi
através dele que esse conceito foi resgatado e integrado aos estudos
psicológicos, juntamente ao conceito de inconsciente coletivo. Nada mais
sensato do que se utilizar de suas próprias palavras para entender esse termo:
“ Os arquétipos não são apenas impregnações de experiências
típicas, incessantemente repetidas, mas também se comportam empiricamente como
forças ou tendências à repetição das mesmas experiências. Cada vez que um
arquétipo aparece em sonho, na fantasia ou na vida, ele traz consigo uma
“influência” específica ou uma força que lhe confere um efeito numinoso e
fascinante ou impele à ação.” (Jung, 1942, parág. 109) .
“ Os arquétipos são como que órgãos da psique pré-racional.
São sobretudo estruturas fundamentais características, sem conteúdo específico
e herdadas desde os tempos mais remotos. O conteúdo específico só aparece na
vida individual em que a experiência pessoal é vazada nessas formas.” (Jung,
1935, parág. 845).
Pode-se entender que os arquétipos são espécies de respostas
típicas a situações típicas, que têm como objetivo maior nos humanizar,
querendo dizer com isso que “aprendemos o que é ser humanos através dos
arquétipos”.
Este trabalho foi realizado para efeito de avaliação do
curso de Especialização em Psicologia Analítica, da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, julho de 1999.
Os arquétipos são possibilidades que existem no inconsciente coletivo, potencialidades; não que ao nascer estejamos com tudo pronto, não é isso. O que existe é o potencial que será utilizado a medida que existirem as possibilidades.
Voltemo-nos agora ao termo mito, sabe-se que em nossa
cultura esse termo vem ganhando um sentido até mesmo pejorativo, tratando de
expressar muitas vezes alguma mentira.
Joseph Campbell nos diz quase que em poesia uma das
definições mais belas do que trata a mitologia – a mitologia é a canção do
universo – música que nós dançamos mesmo quando não somos capazes de reconhecer
a melodia (pg. XI). Mitos são aquilo que os seres humanos têm em comum, são
histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos
tempos (pg. 5). São metáforas da potencialidade espiritual do ser humano, e os
mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida do mundo. (pg. 24).
A partir destas definições, vai se tornando evidente a
relação entre mitos e arquétipos, pois os mitos nada mais são do que uma forma
de expressão dos arquétipos, falando daquilo que é comum aos homens de todas as
épocas, porque falam dos valores eternos da condição humana.
Os mitos se referem sempre a realidades arquetípicas, isto
é, a situações a que todo ser humano se depara ao longo de sua vida,
decorrentes de sua condição humana. São situações padrões tais como:
nascimento, casamento, envelhecimento, morte... os mitos explicam, auxiliam, e
promovem as transformações psíquicas que se passam, tanto no nível individual,
como no coletivo de uma determinada cultura. (Ulson, 1995 ).
Somos seres singulares sem dúvida, contudo temos heranças
enquanto seres humanos, temos vivências e sentimentos comuns, quando pensamos
em mitos é sugerido que alguém também já tenha passado pelo caminho que estamos
passando, deixando nos pistas de como poderemos prosseguir, não querendo dizer
com isso que o estudo da mitologia irá nos eximir de qualquer tipo de
sofrimento ou desagrados, mas poderemos encontrar um sentido, uma maneira de
enfrentar, suportar os conflitos que nos cercam.
Toda mitologia é de alguma forma uma tomada de consciência,
é o poder ver através de outra perspectiva, é termos um elemento para nos
identificar, é o encontrar de um valor.
Não é esse um hábito na infância, o contar histórias. São
maneiras de mostrar as crianças uma forma de aceitar, de enfrentar, fatos que
muitas vezes não se explicam, fases que não se quer ultrapassar; estão aí as
histórias do surgimento do mundo, de iniciação, etc.
Cabe pensar que existem os mitos universais e os de cada
cultura, existem os contos de fadas para as crianças e as histórias para os
mais velhos. Existem os mitos iguais para todas as épocas, e as novas
roupagens, porque o que é arquetípico é o tema, e deste tema podem surgirem
novas formas de colocação.
Penso que será interessante trazer pelo menos a idéia de
algum mito neste momento. Gostaria de colocar uma idéia em especial, mesmo que
não ocorra me aprofundar, penso num dos mitos do homem contemporâneo, que é
símbolo da insatisfação e da impermanência. Falo do Fausto de Goethe.
O maior sonho de Fausto é encontrar dentro de si uma
correspondência harmônica com a natureza universal.
Faço esta correlação porque percebo a universalidade do
tema. Ao ler os jornais, ao escutar os pacientes em consultório, ao escutar
enfim as pessoas e a mim mesma , visualizo de forma tão viva quanto sinto ao
ler Goethe o quanto o homem vivência esta espécie de insatisfação que o faz
buscar um sentido, um valor ( e aí penso o quanto termos culturalmente nos
afastado da mitologia tem trazido conseqüências do mais alto valor, penso que
na falta do sentido tudo fica vil e o homem torna-se capaz das maiores
atrocidades com o próximo e consigo mesmo).
Fausto foi publicado de forma definitiva em 1806, sabe-se
que já em 1770 Goethe decidiu escrever a sua versão da história, que traz o
conteúdo arquetípico da insatisfação e busca através da obra literária .
Na primeira parte o nó da trama é o pacto de Fausto com
Mefistófeles, pelo desejo de saber e pela sede de gozar.
Na Segunda parte o nó é a aposta contratada entre o Senhor
que afirma que Fausto se salvará, e Mefistófeles que espera degradar Fausto a
condição de besta. Fausto é nela o símbolo da humanidade, que erra enquanto
age, mas que deve agir para atingir o ideal que ela mesma entreviu. Fausto é
salvo porque jamais cessou de tender para um ideal. (Antonio Houaiss, 1970) .
Cito aqui alguns trechos da obra de Goethe que explicitam o
tema:
Mefistófeles ... de sol e de mundos nada sei dizer, vejo
apenas como os homens se atormentam. O pequeno Deus do mundo ( o homem)
continua na mesma e está tão admirável assim como no primeiro dia. Um pouco
melhor ele viveria, não lhe tivesses dado o brilho da luz celeste; ele chama
isto razão e lança mão dela somente para ser mais animalesco do que cada animal
(pg. 13).
Fausto... temos necessidade justamente daquilo que não
sabemos e sabemos aquilo que não sabemos utilizar (pg. 38).
Fausto... sou velho demais para somente me divertir, moço
demais, para ser sem desejos. Que pode o mundo bem proporcionar-me? A
existência é um fardo; (pg. 52).
Fausto... eu nunca soube adaptar-me à sociedade. Diante dos
outros sinto-me tão pequeno que serei eternamente um acanhado.( pg. 68).
Essas citações da obra, nos tocam porque falam da gente, de
como nos sentimos tantas vezes, e nos dão um apaziguamento na alma, pois falam
do quanto é comum ao homem esse sentir e nos ensina desta forma sobre nós
mesmos.
É essa a função primeira do arquétipo e do mito, ensinar-nos
sobre nós mesmos, sobre a condição humana, sobre o nosso processo de vida; os
mitos vindo em forma de expressão daquilo que nos é incognoscível em si mesmo
os arquétipos.
“Além disso, não precisamos correr sozinhos o risco da
aventura, pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O
labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas de seguir a trilha
do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontramos um deus. E
lá, onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos
viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde
pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo. “
JOSEPH CAMPBELL
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPBELL, Joseph & MOYERS, Bill. O poder do mito. 1990.
BOECHAT, Walter. Mitos e arquétipos do homem contemporâneo. 1997.
GOETHE .
Fausto. 1806.
JUNG, Carl
Gustav. Comentários psicológicos ao Bardo Thodol. 1935.
JUNG, Carl Gustav. O inconsciente pessoal e o inconsciente
coletivo. 1942.
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