Ninguém sabe ao certo os detalhes, pois não há relatos deixados por pessoas que participaram realmente da cerimônia. Os Mistérios de Elêusis eram o mais famoso ritual religioso secreto da Grécia antiga, realizado entre os séculos 6 a.C. e 4 d.C. As primeiras referências a eles são de autores cristãos, que viveram bem depois e que estavam mais interessados em tachar aquilo como coisa de pagão. Além disso, tudo o que ocorria nos Mistérios sempre foi cercado de segredo – os participantes que revelassem algo podiam até ser condenados à morte. Com tantas dificuldades para desvendar esse enigma, os historiadores têm apenas algumas pistas. “Os Mistérios de Elêusis eram cerimônias de iniciação, com algum ritual pessoal a ser executado pelo novo participante. O culto era complexo, desenvolvido em vários dias. Há fragmentos de informações que permitem apenas perceber relances da celebração”, diz a arqueóloga Elaine Veloso Hirata, da Universidade de São Paulo (USP).
A inspiração para os Mistérios de Elêusis está num mito do poema Hino a Deméter, atribuído ao poeta grego Homero. Segundo a lenda, Perséfone – filha do principal deus grego, Zeus, e da deusa da agricultura, Deméter – fora raptada por Hades, rei do mundo subterrâneo, que a forçara a se casar com ele. Desolada, Deméter saiu em busca da filha, esquecendo suas responsabilidades como deusa, o que prejudicou as colheitas e trouxe a fome para os mortais. Em sua jornada, Deméter teria ido a Elêusis, cidade a 23 quilômetros de Atenas, onde se tornou amiga da família que governava o local, que construiu para ela um templo, onde a deusa passou a morar. Quando Deméter, afinal, recuperou a filha, as colheitas voltaram mas, como parte de um acordo entre os deuses, Perséfone seria obrigada a ficar um terço de cada ano ao lado do marido, Hades, sob a terra. Esse mito simbolizava os períodos da agricultura grega.
Os quatro meses que Perséfone passava no reino subterrâneo de Hades representavam o período improdutivo, logo após a colheita e no ápice do verão; o retorno dela marcava o renascimento trazido pelas chuvas de outono, que permitiam a a semeadura da próxima safra. Toda cerimônia dos Mistérios de Elêusis é recheada de referências a essa mitologia. Não havia restrições para quem quisesse participar dos rituais, que reuniam até 3 mil pessoas. Qualquer um que falasse grego, incluindo mulheres e escravos, podia ir no culto. A cerimônia entrou em declínio quando as cidades gregas estavam sob o domínio do Império Romano e o imperador Constantino passou a promover o Cristianismo, no início do século 4. As religiões pagãs foram proibidas e seus templos destruídos. No ano 395, quando os romanos já tinham dificuldades de conter as invasões bárbaras, povos germânicos destruíram Elêusis. O local ficou abandonado até o século 18, quando escavações revelaram um pouco dos mistérios que ainda intrigam os especialistas.
Cenas enigmáticas Ritual tinha procissão, encenações e até efeitos especiais
1 – O culto era em meados de setembro e a preparação incluía sacrifícios de animais e dias de jejum para os candidatos a iniciados, os mystai. O dia da cerimônia começava com uma procissão que partia de Atenas, ao amanhecer, com destino a Elêusis. Com ramos de murta (um arbusto) nas mãos, os mystai caminhavam como se seguissem os passos da deusa Deméter em busca da filha Perséfone. Sacerdotisas carregavam objetos sagrados dentro de cestas sobre a cabeça.
2 – Ao cruzar o rio Kephisos, os mystai assistiam a encenações em que uma mulher, ou um homem em trajes femininos, representava Baubo, ser que simbolizava o divertimento. Segundo a mitologia grega, Deméter, triste pela perda da filha, só teria conseguido sorrir quando Baubo, na forma de uma velha desbocada, contou-lhe piadas, fez gestos maliciosos e levantou a roupa para mostrar a própria genitália.
3 – Em um trecho mais adiante da procissão, os mystai tomavam uma bebida supostamente alucinógena feita para a cerimônia. Sob o efeito desse misterioso líquido, eles carregavam uma estátua de Dioniso – deus grego da fertilidade, do vinho e da embriaguez – e invocavam o nome dele. Ao passarem por um segundo curso dágua, o riacho Rheitoi, os mystai eram reconhecidos como iniciados após repetirem algumas frases que descreviam todo o ritual dos Mistérios.
4 – Ao anoitecer, a procissão chegava a Elêusis para uma cerimônia num templo chamado Telesterion. Essa era a fase final e mais secreta do ritual. Sabe-se que era comandada por um sacerdote, o Hierofante. Acredita-se que a celebração misturava efeitos especiais rudimentares, como luzes misteriosas, com a exibição de falos – representações do pênis, adorado pelos antigos como símbolo da fecundidade da natureza. É possível que houvesse também a dramatização de cenas do Hino a Deméter.
Bebida polêmica Matéria-prima do LSD pode ter sido usada
Os participantes dos Mistérios de Elêusis tomavam uma bebida, chamada kykeon, cuja fórmula divide os especialistas. Entre os possíveis ingredientes estariam o poejo (erva aromática levemente alucinógena), o ópio ou, ainda, cravagem (uma infestação de fungos que aparece em cereais). Se essa última hipótese valer, entre os componentes solúveis da bebida estaria a ergotina, matéria-prima do LSD.
Nenhum comentário:
Postar um comentário