(Enciclopédia Hachette)
Tradução José Antonio de Souza Filardo M .´. I .´.
A Maçonaria
A Maçonaria contemporânea não é mais uma organização secreta, nem exclusivamente masculina: ela promove as “jornadas a portas abertas” e admite mulheres em suas fileiras. Entretanto, praticando sempre os rituais de símbolos obscuros para os profanos, ela continua a intrigar, mesmo que não se evoque mais o “complô maçônico”. Na realidade, a maçonaria é uma forma de sociabilidade que foi forjada pela história política e social do país onde ela se desenvolve, muito mais que ela a tenha forjado.
As origens
As origens da maçonaria são obscuras. Alguns a fazem remontar às cerimônias iniciáticas do Egito e da Grécia antiga – tais como os mistérios de Eleusis – aos quais seus ritos simbólicos são aparentados. O cristianismo dos primeiros séculos também desenvolveu, igualmente, com os gnósticos, formas de iniciação ritualizada que permitiam ascender ao conhecimento dos mistérios divinos, à iluminação interior. Pode-se ver uma filiação direta entre os gnósticos e os alquimistas, ocultistas, iluminados e outros membros da Rosa Cruz que floresceram na Idade Média e, posteriormente, nos Tempos Modernos. Esta filiação é menos fácil de estabelecer para os maçons, herdeiros diretos, por outro lado, das confrarias de construtores que se formaram a partir do século X na Europa, ao redor dos grandes canteiros de obras das catedrais.
Organização
Nesta época, as lojas maçônicas pareciam-se com simples confrarias de construtores e cortadores de pedra. Elas erguiam catedrais e castelos, tinham seus segredos de ofício e seus regulamentos internos (Old Charges) expostos em dois manuscritos: o Poema Regius (1380) e o Cooke (1410). Na Escócia, os Stuarts os protegiam e, a partir de 1600, isso lhes permitiu aceitar gentlemen-masons muitas vezes eminentes, tais como Boyle e Ashmole; o que acabou por transformar o espírito da confraria e introduziu preocupações esotéricas, herdadas do movimento pansofista da Renascença. Paralelamente, as noções de humanismo, de tolerância e filantropia tornaram-se ordem do dia nas lojas; perseguidas por Cromwell, elas contribuíram para a restauração dos Stuart (papel do general Monk), incitaram Charles II a promulgar sua Declaração de Indulgência (1672) e se multiplicaram por todo o Reino Unido.
Após a revolução de 1688, os jacobitas exilados importaram a maçonaria no continente, principalmente na França (lojas de Saint Germain e d’Aubigny onde foi iniciado, em 1737, o primeiro Grão Mestre francês). Os adeptos afluíram e como o recrutamento se fazia, sobretudo na aristocracia, os Escoceses no exílio acharam interessante constituir um grande número de altos graus, onde a lenda templária servia de cobertura para as aspirações do Pretendente e de seus artesãos. Após a derrota de Culloden, em 1745, os jacobitas deixaram de controlar as lojas, que evoluíram sozinhas em direção a um misticismo transcendente, como por exemplo, a Estrita Observância templária no Norte da Alemanha, os Eleitos Cohens em Lyon, os Iluminados de Avignon e da Baviera, ou em direção ao liberalismo político (Grande Oriente e Grande Loja da França). Durante este tempo, a Inglaterra, orangista e mais tarde hanovriana, criava suas próprias oficinas, mais modestas; ela as reúne em 1717 em uma só Obediência (federação de lojas) que foi, a partir de 1725 regida pelas Constituições de Anderson, posteriormente aceitas por toda a maçonaria regular.
Até nossos dias, a organização subsiste. Em sua base estão as lojas simbólicas com seus aprendizes, companheiros e mestres. Além delas, existem os altos graus, pertencentes a duas organizações principais:
1. O Rito escocês retificado, fundado em Kohlo em 1772, ordem cavaleresca, cristã e de essência aristocrática.
2. O Rito escocês antigo e aceito, constituído em Charleston em 1802, ordem filosófica e de tendência laicizante com múltiplos graus (33), dos quais somente três são praticados em geral. O ensino espiritual maçônico visa o aperfeiçoamento espiritual e moral do homem através da prática de rituais e de um simbolismo seculares. A ordem se reúne fraternalmente e em pé de igualdade de personalidades de primeiro plano e de adeptos muito modestos. Na medida de seus meios, limitados em países latinos, mas muito importante nos Estados Unidos e nos países nórdicos, ela funda e mantém instituições filantrópicas (hospitais, orfanatos, asilos, etc.) ou colabora com os serviços sociais de diversos países interessados. Desde o século XIX, qualquer um pode ter conhecimento dos segredos maçônicos: palavras, sinais de reconhecimento, emblemas, etc. O único segredo que existe em maçonaria consiste na impressão subjetiva produzida sobre o iniciado pelas cerimônias às quais ele assiste.
As lojas maçônicas na França
Na França, a maçonaria tem três obediências principais: o Grande Oriente de França, a Grande Loja de França, a Grande Loja Nacional Francesa. O Grande Oriente, fundado em 1773 rompeu em 1877 com a Grande loja Unida da Inglaterra e as obediências anglo-saxãs, visto que não exigia mais de seus membros a obrigação de crer em Deus. De tradição progressista, o Grande Oriente sempre teve influência sobre a vida política francesa. Ele conta com 500 lojas e cerca de 30.000 membros. A Grande Loja de França, fundada em 1894, está bastante próxima o Grande Oriente, mas é mais espiritualista (490 lojas, cerca de 19.700 membros [1990]). A Grande Loja Nacional Francesa fundada em 1913 e reconhecida pela Grande Loja Unida da Inglaterra se dividiu em 1959 em Grande Loja Nacional Francesa Bineau (700 lojas, cerca de 15.000 membros em 1990) e Grande Loja Tradicional e Simbólica Opera (cerda ce 1.650 membros). É preciso, ainda, mencionar a Grande Loja feminina de França fundada em 1945 (cerca de 7.200 “irmãs”) e o Direito Humano, ordem mista internacional fundada em 1893, a Grande Loja independente e soberana dos ritos unidos fundados em 1976 e a Grande Loja ecumênica feminina do Oriente e Ocidente fundada em 1980. Na Bélgica, a principal obediência é o Grande Oriente, muito próxima do Grande Oriente de França, enquanto que na Suíça a Grande Loja Suíça Alpina se aproxima da maçonaria inglesa.
Princípios e ideais maçônicos
A Maçonaria reúne homens – os irmãos — que são chamados de “francos” para significar a dispensa, real ou ideal, de limitações e servidões do mundo profano, adquirida no momento da iniciação maçônica. Ser iniciado nos mistérios da Arte Real ou da Ordem — outras formas de nomear a maçonaria — significa ser admitido a participar dos trabalhos em loja, ter acesso ao conhecimento dos rituais, dos gestos e do saber maçônico, desfrutar do prazer da sociabilidade fraterna, segundo uma hierarquia estrita de graus e de presenças.
No templo maçônico diz-se que reina a luz e a sabedoria, o direito e a filantropia, todas as coisas boas que deveriam ser deste mundo se ele fosse a imagem da Ordem, e que se trata, portanto, de difundir ali: os maçons querem construir o “Templo da Humanidade”. Também o segredo da participação e da transmissão iniciática do saber maçônico não cessou de intrigar, atrair, e inquietar, desde a criação das primeiras lojas no início do século XVIII. Particularmente, os aparelhos políticos e ideológicos, como a Igreja e o Estado não podiam ficar indiferentes diante desta estranha instituição.
Se na maçonaria contemporânea permanece — através de múltiplas obediências — uma organização de vocação filantrópica universal que deseja trabalhar pelo aprimoramento material, moral, intelectual e social da humanidade, ela deve evoluir, notadamente abandonando o segredo — mesmo que ela permaneça uma organização discreta onde se entra por cooptação e onde se deve seguir uma iniciação. Sobretudo, o esforço dos irmãos para conformar o mundo profano ao modelo que eles desejam representar mudou de sentido com o passar do tempo. A maçonaria não teve razão do século: não se deve procurar aqui as revelações fracassadas sobre os complôs tramados no fundo das lojas maçônicas.
O complô irrecuperável antes de 1789
Para fazer a Revolução, os camponeses, os membros do baixo clero e os “intelectuais” de Paris e da província —sobretudo aqueles que ainda não haviam encontrado seu lugar na “República das Letras” — não procuraram a ajuda da maçonaria. Ao contrário, os irmãos proclamavam bem alto, sob o Antigo Regime, sua recusa em conduzir um empreendimento de destruição da ordem social e sua vontade de impedir o surgimento do reino dos loucos.
As 1.000 lojas (ou orientes) maçônicas existentes na França antes de 1789 não foram laboratórios onde se fazia secretamente a experiência da igualdade e da democracia. É certo, algumas delas foram, principalmente em Paris, onde, como nos círculos e cafés, um homem era igual a um homem. Mas, na vasta rede das províncias, a regra era de um amalgama social prudente, tanto a nobreza quanto os notáveis começavam a se inquietar com a desordem crescente na cidade, no campo e no aparelho do Estado. Esta atitude pusilânime, respeitosa pela ordem social estabelecida, desconcertava e desencorajava aqueles que esperavam por uma Ordem mais audaz, e mais de convergência entre os princípios e a prática.
Uma nova visão do mundo
Resta o imenso sucesso da maçonaria sob os reinos de Louis XV e de Louis XVI, época em que ela reunia cerca de 50,000 irmãos. Ela deve isso, por um lado, à recusa de vulgarizar o recrutamento e ao sucesso de diversas experiências ideológicas inovadoras, em particular a luta contra as superstições, para favorecer a busca da verdadeira fé cristã — apesar da ameaça de excomunhão lançada pelo papa em 1738, que, a propósito, ficou sem efeito na França, todos os irmãos se declararam cristãos e os trabalhos eram realizados no domingo depois da missa. As lojas maçônicas deram, igualmente boas acolhidas à razão dos filósofos e sábios: Montesquieu, Lalande, Laplace, Condorcet foram iniciados. A maçonaria aderiria, também, mas de forma bastante moderada ao princípio da igualdade, por exemplo, abrindo as lojas de adoção para as mulheres, proibidas até então à Arte Real: às vésperas da Revolução, a Grã Mestra da maçonaria de adoção era a princesa de Lamaballe.
Na realidade, nenhum discurso depois de 1770, podia ser escutado se não se referisse ao léxico e pensamento das Luzes. Para se fazer compreender, a maçonaria iria emprestar, portanto, mais ou menos espontaneamente, a nova maneira de falar aos clérigos, nobres e burgueses que quisessem melhor viver sua vida e sua fé dentro da sociedade tradicional. Mas esta novidade, não modifica quanto ao fundo, o projeto maçônico de refazer o mundo dentro da ordem, em paz e sem turbulência.
Maçom e Cidadão
É possível conciliar os deveres do maçom e aqueles do cidadão, a fraternidade e a cidadania? A esta pergunta feita pelo Grande Oriente de França em 1791, a resposta já está dada: a maior parte das lojas entrou em dormência em 1789 e 1790. Sem dúvida, encontra-se em um ou outro oriente, traços de atividades maçônicas posteriores a estas datas — as lojas que se constituíam em lojas republicanas e reconhecendo a Convenção nacional para o Grande Oriente – mas estas iniciativas guardam um caráter excepcional. Na realidade, a maçonaria entra em falência discretamente quanto à sua gestão da opinião e sociabilidade, no momento em que o Estado do Antigo Regime é forçado pelas assembléias eleitas e manifestações populares a abandonar o poder político e social.
Todas as pesquisas realizadas sobre as atividades profanas de maçons depois de 1789, em escala de um oriente ou de uma província, demonstram a dispersão política dos irmãos. Até 1792, foram muitos os que ingressaram nas novas administrações locais, departamentais e nacionais, mas a fraternidade já estava rompida entre os maçons emigrados do exército de Coblence e aqueles que combatiam sob as ordens de Dumouriez. Sob a República, “una e indivisível”, os antigos maçons administradores, assustados ou limitados, se retiram da maior parte dos assuntos públicos e aguardam até Thermidor e Brumaire para então reaparecer. Concebida e tradicionalmente praticada para a justa medida e a regulamentação, a Arte Real não tinha quase nenhum uso no descontrole de uma revolução. Bonaparte não se enganou quando autorizou a restauração da Ordem e favoreceu sua expansão, que se manifestou principalmente no exército.
O silêncio das lojas depois de 1789 é a indicação do “sucesso” da maçonaria do Antigo Regime: ela tinha aprendido bem a conciliar os deveres de sujeição ao rei e as obrigações de irmão. Mas ela não tinha previsto que um dia o sujeito se tornaria cidadão.
A «via substituta»
De 1800 a 1814, a Ordem conhece o maior sucesso de sua história. Zelosos partidários do Imperador, cuja iniciação é improvável, mas onde a proteção é certa, os maçons são numerosos nas fileiras do exército e no corpo de funcionários. Em seguida, o poder político originário da Restauração os submete a vigilância por sua polícia, e na falta de um projeto mobilizador, eles passam por um fraco recrutamento e poucas atividades. É somente a partir dos anos 1830 e 1840 que certas lojas começam a convocar os irmãos, de maneira um tanto dispersiva e, em seguida, de maneira mais organizada. Pouco a pouco, são colocadas as idéias e as novas práticas em relação ao Antigo Regime: a necessidade de uma união nacional da coletividade fraternal (até 1789, a maior parte dos maçons viviam confinados em seus orientes e nas hierarquias estabelecidas), a publicação de boletins de informação, a organização de encontros regionais (usos inexistentes, ver interdições, antes de 1789) e, sobretudo, a elaboração de um projeto que visava abertamente uma reforma profunda da sociedade política e civil. A instituição maçônica francesa permanece instável, tateante, mas não procura frear o movimento da sociedade: ela tende a se desenvolver na pequena e média burguesia. Ao contrário, ela acompanha ativamente, a exemplo da maçonaria italiana, e diferentemente das ordens maçônicas anglo-saxãs.
Maçonaria e Política
Na França de Louis-Philippe, após a IIª República e de Napoleão III, os irmãos entram em aprendizagem do oficio de cidadão. A via substituta — desvio em relação à Arte Real tradicional, ou regular, que pretende representar a maçonaria inglesa — é traçada: ela será democrática, republicada e social. Ela passará por um longo combate pela laicização da sociedade e da escola, um combate sem trégua contra a Igreja Católica, o mais poderoso dos aparelhos ideológicos opostos à unidade nacional e republicana.
Os «hussardos negros» da Liga de Ensino iam a combate com as «legiões negras do clericalismo e da reação »; os cruzados da Igreja de Pio IX não davam quartel «aos chefes e corifeus da seita » maçons que se dizia, reunirem-se na quinta feira santa para comer carne vermelha. Os dias do Grande Arquiteto do Universo, sob os auspícios do qual os maçons tinham trabalhado até então, estavam contados. Ao atribuir à Ordem, no início da revolução de 1848, a paternidade da divisa «Liberdade, Igualdade, Fraternidade », Lamartine cometia um erro histórico. Mas, ele ligava assim simbolicamente o futuro da Ordem e a história da República, para o melhor e para o pior.
A evolução da maçonaria
De 1848 até quase o início do século XX, a maçonaria funcionaria como um verdadeiro aparelho político e ideológico no campo dos partidos republicanos e anticlericais, notadamente os partidos radical e socialista. A seguir, esta função de animação e regulamentação da vida política se tornou menos importante, de tal modo que após 1920, a IIIª Internacional obriga seus membros a escolher entre a adesão ao partido comunista e a condição de maçom. Os rumores de seus «compromissos» com a «gueuse» – a IIIª República – não terão um sentido melhor nos meios reacionários, que saúdam a derrota de 1940 e o surgimento do Marechal Petain como uma «divina surpresa». Resolvendo a questão maçônica, o governo de Vichy acerta suas contas com a República.
Restaurada ao final de 1943 pelo Comitê Francês de Libertação Nacional, com o acordo de Charles De Gaulle, a maçonaria retoma seus trabalhos após o retorno ao poder do general em 1958; ela conhece um novo élan a partir de 1981. Ela não é mais exclusivamente de esquerda, nem unanimemente anticlerical, e ela se abre um pouco às mulheres. Dividida em numerosas obediências (entre elas o Grande Oriente de França, a Grande Loja de França, o Direito Humano, a Grande Loja feminina de França, A Grande Loja Nacional Francesa, esta última sendo a única obediência reconhecida como regular pela maçonaria anglo-saxã), estimada nos anos 80 como 60.000 irmãos e irmãs, a maçonaria francesa continua a atrair humanistas de diferentes origens.
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