quarta-feira, setembro 28, 2011

Rosh Hashaná

 
Existem momentos em que o significado de uma antiga metáfora toma uma nova dimensão. Isso é o que aconteceu este ano. Durante séculos, talvez milênios, nesta época entre Rosh Hashaná e Yom Kipur nossos ancestrais falaram sobre o "livro da vida" e rezaram para ser inscritos nele.
Não é por acaso que quando os judeus falavam a respeito da vida pensavam sobre um livro. Outras religiões encontram santidade em outras coisas — pessoas, locais, ícones, objetos. Mas a santidade judaica existe, acima de tudo, na linguagem. Com palavras, D’us criou o mundo. Através de palavras, Ele revelou-Se no Sinai. Através das palavras, D’us e o povo judeu conectam-se um ao outro no grande pacto de amor e redenção. Quando D’us compôs a Torá, dizem os rabinos, Ele escreveu-a com letras de fogo negro sobre fogo branco. Para nós letras, palavras, frases, livros foram o meio no qual o mistério da vida foi codificado. Sabemos agora que isso foi mais que uma intuição espiritual. É um fato científico.
A decodificação do genoma humano é um dos notáveis avanços da ciência. Quarenta e sete anos depois que Francis Crick e James Watson descobriram a dupla hélice do DNA, o roteiro completo do genoma humano foi transcrito. Ocorre que este é um roteiro de enorme comprimento e complexidade, escrito nas quatro letras que formam o código genético. O ex-Presidente Clinton chamou-o de linguagem da criação. Os cientistas simplesmente declaram: Estamos aprendendo, dizem eles, a ler o livro da vida.
As conexões entre o genoma humano e Rosh Hashaná vão mais além — e isso não é surpresa, porque ambos tratam dos fundamentos da própria vida. O primeiro está ao nível da criação. Dizemos em nossas preces: "hayom haras olam", "hoje nasceu o universo." Rosh Hashaná é o aniversário da criação. Alguns sábios acreditavam que este foi o dia no qual D’us fez o homem. Mais do que qualquer geração anterior, sabemos agora a total extensão e complexidade destes mundos macro e microscópicos.
Contemplando o espaço exterior, por meio de instrumentos como o telescópio espacial Hubble, descobrimos um universo de um bilhão de galáxias, cada qual com um bilhão de estrelas. Olhando para o "pequeno universo" (olam catan), ou seja, nós, descobrimos que o corpo humano contém um trilhão de células. Cada célula contém um núcleo, e cada núcleo dois conjuntos do genoma humano. Cada genoma consiste de aproximadamente 3.1 bilhões de letras, informação suficiente para preencher uma biblioteca de cinco mil livros. A mente oscila perante tal complexidade microscópica. Dentro de uma única célula de tecido vivo a ciência mapeou um mundo novo, até agora desconhecido.
Da astrofísica até a microbiologia, os cientistas de hoje cada vez mais expressam um sentimento de reverência pela perfeita sintonia do universo e a pura improbabilidade de que a vida, com sua complexidade auto-organizadora, tenha emergido por mero acaso. O físico de Harvard, Freeman Dyson, escreve: "Quanto mais eu examino o universo e os detalhes de sua arquitetura, mais evidências encontro de que o universo, de alguma forma, deve ter sabido que estávamos chegando." Isso é um eco daquilo que Maimônides escreveu há mais de oito séculos (Hilkhot Yesodei haTorah 2:2) quando afirmou que o caminho para o amor e temor a D’us é contemplar a maravilha e a sabedoria da criação.
Jamais perdemos nossa liberdade. Somos aquilo que escolhemos ser. Às vezes, fazer a coisa certa é uma grande luta.... Nenhuma religião tem se afirmado mais sistematicamente sobre a liberdade e responsabilidade humanas. É isso que nos faz "à imagem de D’us".
Há uma outra conexão entre a ciência e os Dias de Reverência, mas desta vez menos direta. No decorrer do Projeto Genoma, foram feitas alegações de que estamos no limiar de descobrir a base genética do comportamento humano. Os médicos há muito sabem que determinadas doenças são hereditárias. Maimônides, por exemplo, sabia que a asma é transmitida dentro das famílias. Assim também, debate-se atualmente, são os traços da personalidade como agressividade, depressão, até a propensão ao crime. A partir daí é um curto passo, porém enganoso, para o determinismo genético — à idéia de que não podemos evitar aquilo que somos. Nosso destino está escrito em nossos genes.
O judaísmo rejeita esta idéia, ainda mais enfaticamente em Rosh Hashaná e Yom Kipur. Existe um componente genético no comportamento. Maimônides (Hilkhot Deot 1:2) descreve as várias influências sobre o caráter. Algumas são genéticas (lefi teva gufo). Outras têm a ver com a criação, ambiente e cultura. É isso que queremos dizer em Yom Kipur, que somos "ke-chomer beyad hayotser", "como argila nas mãos do ceramista".
Somos moldados por influências além de nosso controle. Mas — e isso é um 'mas' fundamental — jamais perdemos nossa liberdade. Somos aquilo que escolhemos ser. Às vezes, fazer a coisa certa é uma grande luta. A inclinação para agir de forma diferente pode ser quase avassaladora, mas nunca de forma completa. Nenhuma religião tem se afirmado mais sistematicamente sobre a liberdade e responsabilidade humanas. É isso que nos faz "à imagem de D’us". O escritor Prêmio Nobel Isaac Bashevis Singer declarou isso muito bem e espirituosamente: "Temos de acreditar no livre arbítrio. Não temos escolha!"
Nosso encontro mais profundo com a liberdade está na experiência de teshuvá. O completo arrependimento, diz Maimônides, é quando nos encontramos exatamente na mesma situação de quando cometemos um pecado, mas dessa vez não o repetimos. Todos os fatores são os mesmos exceto um — nossa decisão. No âmago da teshuvá está a idéia de que as circunstâncias não determinam aquilo que fazemos. Podemos agir de forma diferente da próxima vez. Podemos mudar. E se podemos mudar, não estamos determinados por nossa dotação genética ou por qualquer outro fator que não seja a nossa vontade.
Não se pode enfatizar demais a importância dessa idéia. Isso significa que na situação humana nenhuma sina é definitiva, nenhum destino inevitável. Eis por que o judaísmo é o supremo argumento para a esperança. Os grandes vultos de nossa história foram todos capazes de mudar. Nas páginas da Torá, vemos Yossef transformado de um jovem sonhador em um decidido homem de ação. Moshê, gago, transforma-se no mais eloqüente dos profetas. Ruth, a estranha moabita, torna-se a notável bisavó do maior Rei de Israel. Esther, que se considerava incapaz de ajudar, transforma-se na salvação de seu povo. Nosso destino não está escrito em nossos genes. Nossas decisões são mais que impulsos eletroquímicos no cérebro. Podemos ser pó da terra, mas dentro de nós está o sopro de D’us.
A liberdade, porém, nunca é fácil. Precisamos de ajuda para ser aquilo que podemos nos tornar. Precisamos de um código moral para nos lembrar o que é certo e o que é errado. Precisamos do apoio da família e da comunidade. Precisamos de rituais para praticarmos a coreografia da virtude. Precisamos de histórias de vidas exemplares através das quais ampliemos nossas aspirações. Precisamos de um senso de distância entre nós e a cultura à nossa volta, para que não sejamos levados pela maré.
Isso é o que o judaísmo nos dá e tem dado desde os dias de Avraham e Sarah. É uma disciplina apoiada na liberdade. E o mais importante de tudo — mais importante até que nossa fé em D’us — é a fé de D’us em nós, acreditando em nós quando perdemos a fé em nós mesmos, erguendo-nos quando caímos, perdoando-nos quando erramos, dando-nos a força para assumir riscos e a coragem para mudar.
Existem dois livros da vida. Um é o genoma humano; o outro é a história humana. D’us pode ter escrito o primeiro, mas Ele nos convida a sermos os co-autores do segundo — porque se podemos mudar a nós mesmos, podemos mudar o mundo.

quarta-feira, setembro 21, 2011

A CÂMARA DAS REFLEXÕES

A CÂMARA DAS REFLEXÕES     
Seus Elementos, Símbolos e Significados                


ADVERTÊNCIA AO "BUSCADOR"

O presente trabalho não pretende, de forma alguma, ter esgotado as informações sobre o tema. Ao contrário, servem apenas como uma amostra do tanto que deverá ser pesquisado, lido e, principalmente, entendido e intuido, por todo aquele que, real e sinceramente, deseje obter o conhecimento esotérico. 
Dentro dos estudos que deve encetar, destacam-se, entre outras, matérias tais como: mitologia, alquimia, simbologia, astrologia, numerologia, tarô, religiões comparadas, etc.


Como todos sabemos, nós, maçons, no dia da nossa recepção na Ordem, passamos por uma série crescente de eventos durante a cerimônia de Iniciação, que têm por finalidade excitar nossa imaginação e sentidos predispondo-os para a recepção de conhecimentos não acessíveis ao comum dos homens. Para tanto, é necessário que nosso ser interior seja preparado adequadamente para poder entrar em contato com outro nível de realidade. O primeiro passo dessa preparação é ser introduzido na Câmara das Reflexões. 

A Câmara, com seu isolamento, obscuridade e negras paredes, cercada de emblemas representativos da morte, permite, a quem nela adentra, uma pausa silenciosa no tumulto da vida e, meditando sobre os símbolos ali expostos, dar-se conta da finitude da vida e como são sem sentido as vaidades e as paixões humanas. É por esta razão que se encontram, em suas paredes, inscrições destinadas a pôr à prova do postulante a sua firmeza de propósitos e a vontade de progredir, que têm de ser seladas num testamento. 

Ao ingressar nesse recinto, o candidato é despojado dos metais que porta consigo e que o Irmão Experto recolhe cuidadosamente. Representa ao postulante o retorno ao seu estado de pureza original - a nudez adâmica - despojando-se voluntariamente de todas aquelas aquisições que lhe foram úteis para chegar até o seu estado atual, mas que constituem outros tantos obstáculos para seu progresso ulterior. 

É o cessar de depositar sua confiança e cobiça nos valores puramente exteriores do mundo, para poder encontrar em si mesmo, realizar e tornar efetivos os verdadeiros valores, que são os morais e espirituais. É o cessar de aceitar passivamente as falsas crenças e as opiniões exteriores, com o objetivo de abrir seu próprio caminho para a verdade. 

Isto não significa, absolutamente, que deva abrir mão de tudo o que lhe pertence e adquiriu como resultado de seus esforços e prêmio de seu trabalho, mas, unicamente, que deve deixar de dar a estas coisas a importância primária que pode torná-lo escravo ou servidor delas, e que deve pôr, sempre em primeiro lugar, sobre toda a consideração material ou utilitária, a fidelidade aos Princípios e às razões espirituais. Esse despojamento tem por objetivo tornar-nos livres dos laços que, de outra forma, impediriam todo nosso progresso futuro. 

A entrega dos metais simboliza, assim, o despojo voluntário das qualidades inferiores, dos vícios e paixões, dos apegos materiais que turvam a pura Luz do Espírito. Isso é “ser livre e de bons costumes”. Como o maçom deve aprender a pensar por si mesmo e, pelo seu esforço pessoal, ter a certeza de ter atingindo o conhecimento direto da Verdade, o despojamento terá que ser total e, portanto, deverá se estender às crenças, superstições, preconceitos e prejulgados, tanto científicos, como filosóficos e religiosos, pois estes brilham com luz ilusória na inteligência e impedem a visão da Luz Maior, a Realidade que sustenta o Universo e o constrói incessantemente.  

SIGNIFICADO DA CÂMARA


A Câmara de reflexões, como o seu nome o indica, representa, antes de tudo, aquele estado de isolamento do mundo exterior que é necessário para a concentração ou reflexão íntima, com a qual nasce o pensamento independente e é encontrada a Verdade. Aquele mundo interior para o qual devem dirigir-se nossos esforços e nossas análises para chegar, pela abstração, a conhecer o mundo transcendente da Realidade. É o "gnosthi seautón" ou o "conhece-te a ti mesmo" dos iniciados gregos, como único meio direto e individual para poder chegar a conhecer o Grande Mistério que nos circunda e envolve nosso próprio ser. 

ELEMENTOS E SÍMBOLOS PRESENTES NA CÃMARA

A Cor Negra

O negro simboliza as trevas, a ausência da luz. O lugar de perpétuo esquecimento para onde nos conduz as paixões, os vícios e a ignorância. Jung[1] considera a cor negra como o lado sombrio da personalidade. 

Crânio e Esqueleto


Ambos simbolizam o ciclo iniciático: a brevidade da vida e a morte corporal, prelúdio do renascimento em um nível de vida superior, e condição do reino do espírito. Símbolo da morte física, o crânio corresponde à putrefação alquímica, assim como a tumba corresponde à fornalha (atanor): o homem novo sai do cadinho onde o homem velho se extingue para transformar-se. Crânio e Esqueleto representam não uma morte estática, definitiva, mas, sim, uma morte dinâmica, anunciadora e instrumento de uma nova forma de vida. O crânio, com seu sorriso irônico e seu ar pensativo, simboliza o conhecimento daquele que atravessou a fronteira do desconhecido, daquele que, pela morte, penetrou no segredo do além. O crânio é muitas vezes representado entre duas tíbias cruzadas em x, formando uma cruz de Santo André, símbolo das oposições dentro da natureza sob a influência predominante do espírito. Ambos significam, em uma palavra, Transformação.      

Ampulheta


Simboliza o escoamento inexorável do tempo que se conclui, no ciclo humano, pela morte. A forma da ampulheta, com os seus dois compartimentos, mostra a analogia entre o alto e o baixo, assim como a necessidade, para que o escoamento se dê para cima, de virar a ampulheta. Assim, a atração se exerce para baixo, a menos que mudemos a nossa maneira de ver e de agir. O vazio e o pleno devem suceder-se; há, portanto, uma passagem do superior ao inferior, isto é, do celeste ao terrestre e, em seguida, através da inversão, do terrestre ao celeste. O filete de areia, que corre de um para outro compartimento, representa as trocas entre o Céu e a Terra: a manifestação das possibilidades celestes e a reintegração da manifestação na Fonte divina. O estrangulamento no meio é a porta estreita por onde se efetuam as trocas. 

A ampulheta está presente na Câmara como que sugerindo, ao postulante, que não relegue para o amanhã o abandono das paixões, nem a procura da virtude, pois talvez não venha a ter mais tempo, já que o tempo é agora.  

As Iniciais V.I.T.R.I.O.L.


Iniciais de uma fórmula célebre entre os alquimistas e que condensava a sua doutrina:Visita Iteriorem Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem, ou seja, Visita ou Explora o interior da terra. Retificando, encontrarás a pedra oculta...o que significa dizer: Desce ao mais profundo de ti mesmo, bem além das aparências exteriores, e encontrarás a pedra oculta (ou o núcleo indivisível), sobre o qual poderás construir uma nova personalidade, um homem novo. Trata-se da reconstrução de si próprio a partir dos vários graus de inconsciência, de ignorância e de preconceitos, em direção à incontestável consciência do ser, o que permite ao homem descobrir a presença imanente e transformadora de Deus nele.

O Grão de Trigo 


O quarto de reflexões constitui a prova da terra - a primeira das quatro provas simbólicas dos elementos - e, através de sua analogia, somos conduzidos aos Mistérios de Elêusis[2], nos quais o iniciado era simbolizado pelo grão de trigo atirado e sepultado no solo, para que germinasse; abrisse, por seu próprio esforço, um caminho para a luz. 

A semente, na qual se encontra em estado latente ou potencial toda a planta, representa muito bem as possibilidades latentes do indivíduo que devem ser despertadas e manifestadas à luz do dia, no mundo dos efeitos. Todo ser humano, é, efetivamente, um potencial espiritual ou divino, idêntico ao potencial latente da semente, que deve ser desenvolvido ou reduzido à sua mais plena e perfeita expressão, e este desenvolvimento é comparável, em todos os sentidos, ao desenvolvimento natural e progressivo de uma planta. 

Assim como a semente, para poder germinar e produzir a planta, deve ser abandonada ao solo, onde morre como semente, enquanto o germe da futura planta começa a crescer, assim também, o homem, para manifestar as possibilidades espirituais que nele se encontram em estado latente, deve aprender a concentrar-se no silêncio de sua alma, isolando-se de todas as influências externas, morrendo para seus defeitos e imperfeições a fim de que o germe da Nova Vida possa crescer e manifestar-se.

Uma vez que o Germe espiritual, a Divina Semente de nosso ser, é imortal e incorruptível, esta morte - como toda forma de morte, sob um ponto de vista mais profundo - é simplesmente o despojo de uma forma imperfeita e a superação de um estado de imperfeição, que foram no passado um degrau indispensável ao nosso progresso, mas que na atualidade transformaram-se numa limitação e ao mesmo tempo numa necessidade; na oportunidade e na base para um novo passo adiante. 

Essa imperfeição ou limitação que deve ser superada - os estreitos limites em que se acha enclausurado nosso pensamento e nosso ser espiritual pelos erros e falsas crenças assimiladas na educação e na vida profana - é o que simboliza a casca da semente, produzida por esta como proteção necessária em seu período de crescimento, e inteiramente análoga à casca mental de nosso próprio caráter e personalidade. 

O Pão e a Água 


O pão é, evidentemente, símbolo do alimento essencial. Se é verdade que o homem não vive só de pão, apesar disso, é o nome de pão que se dá à sua alimentação espiritual. Entre os cristãos, o Cristo eucarístico é o pão da vida. Os pães da proposição dos hebreus também têm o mesmo significado. Esse pão representa a presença de Deus no íntimo de cada um de nós. 

A água representa: fonte de vida; meio de purificação e centro de regeneração. As águas, massa indiferenciada, representando a infinidade dos possíveis, contêm todo o virtual, todo o informal, o germe dos germes, todas as promessas de desenvolvimento. Mergulhar nas águas, para delas sair sem se dissolver totalmente, salvo por uma morte simbólica, é retornar às origens, carregar-se de novo, num imenso reservatório de energia e nele beber uma força nova. A água é símbolo da Mãe Natureza, geradora de Vida material, mas, também, da vida espiritual e do Espírito, oferecidos por Deus e muitas vezes recusados pelos homens. 

O Sal, o Enxofre e o Mercúrio 


O sal é, ao mesmo tempo, conservador de alimentos e destruidor pela corrosão. O alimento sal, condimento essencial e fisiologicamente necessário, é evocado na liturgia batismal; é sal da sabedoria, símbolo do alimento espiritual. O sal era, para os hebreus, um elemento importante de ritual: toda vítima tinha de ser consagrada pelo sal. O consumo do sal em comum toma, às vezes, o valor de uma comunhão, de um laço de fraternidade. Compartilha-se o sal como o pão. Consumir com alguém o pão e o sal significa uma amizade indestrutível. O sal simboliza também a incorruptibilidade. É por isso que a aliança do sal designa uma aliança que Deus não pode romper (Números 18,11; Crônicas, 13,5).O sal pode, também, ter outro sentido simbólico e opor-se à fertilidade. Nesse caso, a terra salgada significa terra árida, endurecida. Os romanos jogavam sal nas terras que destruíam para tornar o solo para sempre estéril. Os místicos às vezes comparam a alma a uma terra salgada que deverá ser fertilizada pelo orvalho da graça. Tudo que é salgado é amargo, a água salgada é, portanto, uma água de amargura que se opõe à água doce fertilizadora. Por fim, o sal é símbolo da palavra empenhada, porque o seu sabor é indestrutível.

O enxofre é o princípio ativo da alquimia, aquele que age sobre o mercúrio inerte e o fecunda, ou o mata. O enxofre corresponde ao fogo, como o mercúrio à água. É o princípio gerador masculino (yang). Manifesta a vontade celeste e a atividade do Espírito (ex.:chuva de enxofre sobre Sodoma). Para os alquimistas, o enxofre está para o corpo como o sol está para o universo. Sua cor amarela querendo comparar-se a do ouro, dá-lhe um sentido de engodo, de falsidade, próprio do senhor das trevas. A chama amarela esfumaçada com enxofre é, para a Bíblia, a antiluz atribuída ao orgulho de Lúcifer. É a luz transformada em trevas. É um símbolo de culpa e punição. 

O mercúrio é o símbolo alquímico universal e do princípio passivo, úmido (yin). Corresponde aos humores corporais, o sangue, o sêmen, aos rins, ao elemento Água. Segundo as tradições ocidentais, o mercúrio é a semente feminina e o enxofre, a masculina: sua união produz os metais. Astrologicamente, Mercúrio vem imediatamente após o Sol, astro da vida, e a Lua, astro da geração, isto é, da manifestação da vida no nosso mundo transitório. Se o Sol é o Pai Celeste, e a Lua, a Mãe Universal, Mercúrio se apresenta como o filho deles, o Mediador, o princípio da Inteligência e da Sabedoria. Mercúrio, o deus da mitologia, diligente e provido de asas nos pés, tinha o ofício de mensageiro do Olimpo. Tendo herdado características tanto de seu Pai, como de sua Mãe, apresenta natureza dualista, na qual se confrontam os princípios contrários e complementares: trevas-luz, baixo-alto, esquerda-direita, feminino-masculino, certo-errado, etc. O pensamento em todos seus aspectos nasce naturalmente no indivíduo, da ação e relação entre as tendências ativas e passivas, entre o amor e o ódio, a atração e a repulsão, a simpatia e a antipatia, o desejo e o temor. Cresce e adquire sempre maior força, independência e vigor quando lutam entre si o instinto e a razão, a vontade e a paixão, o entusiasmo e a desilusão. Eleva-se e floresce, sempre mais livre, claro e luminoso, conforme aprende a seguir seus ideais e aspirações mais elevadas, e quando estas conseguem sobrepor-se à sua ignorância, erros e temores, assim como às demais tendências passionais e instintivas. Mercúrio é o agente harmonizador dos contrários, que procura colocar a ordem no caos. Em cada um de nós, o processo mercuriano é o auxiliar do Ego, encarregado de nos desviar da subjetividade obscurecedora. Diante da dupla pressão dos impulsos interiores, ele é o melhor agente de adaptação à vida.   

O Galo


É, universalmente, símbolo solar, porque seu canto anuncia o nascimento do Sol e, por extensão, do surgimento da Luz. Representa a vigilância, pois com seu canto avisa todos a boa nova, ou seja, que um novo dia está surgindo. Assim, todo o maçom, qual galo de vigília, deve estar atento para perceber, na dissipação das trevas da noite que morre (as paixões e os vícios), os primeiros clarões (as virtudes) do espírito que se levanta. O galo é, portanto, a representação esotérica do despertar da consciência e da ressurreição do candidato, que, devendo morrer para a vida “profana”, ressurge num plano mais elevado de espiritualidade.     

O Testamento 


O novo nascimento ou regeneração ideal que indica, em todos seus aspectos, a câmara de reflexões, tem finalmente o seu selo e concretiza-se por um testamento, que é fundamentalmente um atestado ou reconhecimento de seus "deveres", ou seja, de sua tríplice relação construtiva: com o princípio interior (individual e universal) da vida, consigo mesmo como expressão individual da Vida Una, e com seus semelhantes, como expressão exterior da própria Vida Cósmica. 

Trata-se de um testamento iniciático bem diferente do testamento ordinário ou profano. Enquanto este último é uma preparação para a morte, o testamento simbólico pedido ao recipiendário, antes de sua admissão às provas, é uma preparação para a vida - para a nova vida do Espírito para a qual deve renascer. 

Morte e nascimento são, na realidade, dois aspectos intimamente entrelaçados e inseparáveis de toda mudança que se verifica na forma e na expressão, interior e exterior, da Vida Eterna do Ser. Na economia cósmica, e da mesma forma na vida individual, a morte, cessação ou destruição de um aspecto determinado da existência subjetiva e objetiva, é constantemente acompanhada de uma forma de nascimento. Assim, pois, só em aparência os consideramos como aspectos opostos da Vida, ou como seu princípio e fim, enquanto indicar simplesmente, uma alteração ou transformação, e o meio no qual se efetua um progresso sempre necessário, ainda que a destruição da forma não seja sempre sua condição indispensável. 

Como emblema da morte do homem profano, indispensável para o nascimento do iniciado, o testamento que faz o candidato é um testamento do qual ele mesmo será posteriormente chamado a converter-se em executor, é um Programa de Vida que deverá realizar com uma compreensão mais luminosa de suas relações com todas as coisas. 

A primeira relação ou "dever" do testamento é a do próprio indivíduo com o Princípio Universal da Vida, uma relação que tem de reconhecer-se e estabelecer-se interiormente, e não sobre a base das crenças ou prejuízos, sejam positivos ou negativos. Não se pergunta ao candidato se crê ou não em Deus, nem qual é seu credo religioso ou filosófico; para a Maçonaria todas as "crenças" são equivalentes, como outras tantas máscaras da Verdade que se encontram atrás ou sob a superfície delas e somente à qual aspira a conduzir-nos. 

O que é de importância vital é nossa íntima e direta relação com o Princípio da Vida, qualquer que seja o nome que lhe dê externamente, e o conceito mental que cada um possa ter formado ou dele venha a formar, uma relação que é estabelecida na consciência, além do plano da inteligência ou mentalidade ordinária. 

A consciência desta relação, que é Unidade e Individualidade, traduz-se no sentido da primeira pergunta do testamento: "Quais são os vossos deveres para com Deus?" A segunda: "Quais são os vossos deveres para com vós mesmos?" nada mais é do que a conseqüência da primeira. Tendo-se reconhecido, no íntimo de seu próprio ser, naquela solidão da consciência que está simbolizada pela câmara de reflexões como uma manifestação ou expressão individual do Princípio Universal da Vida, o candidato é chamado a reconhecer o modo pelo qual sua vida exterior se encontra intimamente relacionada com o que ele mesmo é interiormente, e como a compreensão desta relação tem em si o poder de dominá-la e dirigi-la construtivamente. 

O homem é, como manifestação concreta, o que ele mesmo se fez e faz constantemente, com seus pensamentos conscientes e subconscientes, sua maneira de ser e sua atividade. Seu primeiro dever para consigo mesmo é realizar-se e chegar sempre a ser a mais perfeita expressão do Princípio de Vida que nele busca, e encontra uma especial, diferente e necessária manifestação, deduzindo ou fazendo aflorar à luz do dia, as possibilidades latentes do Espírito, aquela Perfeição que existe imanente, mas que só se manifesta no tempo e no espaço, na medida do íntimo reconhecimento individual. 

Quanto aos deveres para com a humanidade, estes representam um sucessivo reconhecimento íntimo que é complemento necessário dos dois primeiros: tendo-se reconhecido como a manifestação individual do Princípio Único da Vida, e sabendo que ele é por fora o que realiza por dentro, deve acostumar-se a ver em todos os seres outras tantas manifestações do próprio Princípio. Deste reconhecimento, brota como conseqüência necessária o seu dever ou relação para com a humanidade, que não pode ser outra coisa que a própria fraternidade. 

A compreensão desta tríplice relação é o princípio da iniciação, o início efetivo de uma nova vida, o testamento ou doação que é feita para si próprio, preparando-se para executá-lo. É a preparação necessária para as viagens ou etapas sucessivas do progresso que o aguardam.

 
José Carlos Michel Bonato - M.: I.:
Loja Simbólica Sophia Nº 60

  
BIBLIOGRAFIA

Pequeno Ensaio de Simbólica Maçônica, de René Joseph Charlier
Liturgia e Ritualística do Grau de Aprendiz Maçom, de José Castellani
Grau de Aprendiz e seus Mistérios, de Jorge Adoum
Manual Del Aprendiz, de Aldo Lavagnini (Magister)
Diccionario de Símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.
Pesquisa em diversos sites na Internet

[1] Carl Gustav Jung – 1875/1961 – psiquiatra nascido em Kesswil, Suíça, fundador da escola analítica de Psicologia. Foi discípulo de Freud, e ampliou as visões psicanalíticas deste, interpretando distúrbios mentais e emocionais como uma tentativa do indivíduo buscar a perfeição pessoal e espiritual. Foi presidente da Sociedade Psicanalítica Internacional. Uma das suas principais contribuições é a teoria do inconsciente coletivo, que seria um conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhados por toda a humanidade. Seria um reservatório de imagens latentes, chamadas de arquétipos ou imagens primordiais, que cada pessoa herda dos seus ancestrais. Esses arquétipos são universais e idênticos em todos os indivíduos.

[2] Mistérios de Elêusis – referem-se às cerimônias e ritos praticados pelos antigos gregos.

segunda-feira, setembro 19, 2011

Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini Tuo da gloriam Significa “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao Vosso nome dai a glória“, extraído de livro dos Salmos(Sl. 115,1)


SIMBOLISMO INICIÁTICO

A simbologia cósmica e iniciática das igrejas, especialmente as do estilo românico e gótico, vislumbra-se na sua planta, em forma de cruz; nos ornamentos significativos, como o Zodíaco; na abóbada estrelada, na proporção do edifício e até na orientação geográfica.

A orientação foi um pormenor que interessou a quase todos os povos da antiguidade. O templo de Ámon-Rá estava orientado de maneira que o interior fosse iluminado pelo sol posto do solstício de Verão. O Partenon, célebre templo de Atenas, foi orientado para as Plêiades, quando foi construído, em 506 antes de Cristo. A norma era a de orientar os templos para o astro associado à sua divindade tutelar1.

Em Roma, Marcos Vitrúvio, que viveu no século I antes de Cristo, aconselhava aos estudantes de arquitetura o estudo das disciplinas de geometria, matemática, música e astrologia2. E recomendava-lhes que reproduzissem nos templos as proporções do corpo humano. Seguia uma orientação contrária à dos egípcios e dos construtores do templo de Salomão (este-oeste)3, embora não menos clara: os fieis deviam permanecer de frente para as imagens e para o Oriente.

No Ocidente, a orientação dos templos decorre das normas das Constituições Apostólicas4, coleção de preceitos litúrgicos onde aparece, pela primeira vez, uma regra que ordena ao sacerdote para se voltar para Oriente quando consagra o pão e o vinho.

Desde então começaram a surgir igrejas orientadas com a fachada principal voltada para Oriente e a ábside, que contém o altar-mor, para Ocidente. Foi com esta orientação que se construiu a basílica de S. Pedro, em Roma. Era a mais apropriada para se cumprir aquele preceito litúrgico: o sacerdote, no altar, à entrada da ábside, celebrava de face para o povo, virado para Oriente. E, nesta posição, é que celebrava o rito da consagração.

Depois, no final do século V, introduziu-se em França uma importante alteração de que resultou uma inversão pura e simples desta regra. O bispo da cidade de Tours colocou o túmulo do seu antecessor na ábside (onde estava a cátedra). Este exemplo foi copiado em todo o lado e tornou-se uso predominante5.

Com esta modificação, o sacerdote, quando celebrava junto do altar, estava de costas para o povo, de face para Ocidente.

Para que, durante o cânone da missa, ficasse voltado para Oriente, de acordo com a antiga liturgia, inverteu-se a orientação que se dava às igrejas. A fachada principal foi transferida para o lado ocidental; e a ábside (altar-mor) ficou do lado oriental. Esta regra tornou-se invariável na orientação das basílicas.
 
Estilo Românico

Durante a Idade Média, os elementos arquitetônicos, esculturais e outros, da basílica romana, receberam influências diversas, alguns de proveniência oriental, e acomodaram-se gradualmente aos preceitos da liturgia. Daí resultou um estilo distinto de arquitetura, a que hoje chamamos românico, que teve origem em França.

A arte românica – como o nome indica, tem as suas raízes na arte dos Romanos – resultou da procura de um estilo verdadeiramente cristão.

Evolucionou e alcançou o estado perfeito no século XII. Os laços que ligaram a Península Hispânica à França, durante os séculos da Reconquista, tornaram possível o aparecimento de um estilo românico característico. Entre os portugueses, a arquitetura românica é pesada, com predomínio das linhas horizontais. As grandes catedrais – Braga, Porto, Lisboa, Évora – são bons exemplos da arte românica. A Sé Velha de Coimbra é um exemplar completo dessa arquitetura. Foi construída conforme o cânone tradicional das igrejas românicas, embora se reconheçam traços da arquitetura militar, tornando a igreja um verdadeiro castelo. Quando foi construída, ainda estava na memória a invasão dos mouros, em 1117. Nesse tempo, o sacerdote também vestia a loriga, o elmo e as grevas de soldado.

Arquitetura Sagrada

A orientação do templo e, conseqüentemente, dos devotos e do sacerdote, fundamenta-se na necessidade de harmonizar o ato sagrado com o ritmo e o movimento dos corpos celestes. O ser vivo, diz Claude Bernard, faz parte de um conjunto universal, e a vida animal não é senão um fragmento da vida do universo6.

A luz e o Sol têm sido considerados como símbolos privilegiados da divindade. "Deus é Luz" (1 Jó, 1, 5-7) e, como a luz física é reconhecidamente a origem do conhecimento sensível e da vida física, o Sol converteu-se no símbolo visível da Fonte de todo o conhecimento e da vida do espírito7.

Foi por isso que o tabernáculo do deserto ficou orientado no sentido este-oeste (nascente-poente). A entrada fazia-se do lado nascente; passava-se pelo altar dos holocaustos, depois pelo mar de bronze, pela bacia das abluções dos sacerdotes e só depois se estava no santuário. O lugar mais sagrado ficava sempre do lado poente do recinto do tabernáculo, como determinavam as leis religiosas costumeiras da época8.

O simbolismo do Sol nascente está fundamentado no Ant.Test.9. Os profetas, que anunciaram a vinda de Jesus, também se lhe referiram como "o Sol da justiça ou o Sol nascente". No Novo Test., o Oriente toma um caráter claramente escatológico10, que seria determinante, depois, na escolha dos motivos decorativos da abóbada da ábside.

Esta mística região da Luz do Mundo, o Sol da Justiça, tinha idêntico significado noutros povos. No México, onde o culto do Sol deu origem a uma religião complexa, orava-se na direção do sol-nascente. O mesmo faziam os brâmanes. Depois de um interminável e complicado ritual, adoravam o Sol, virados para o Este. O cristianismo, durante a Idade Média até ordenou o sepultamento de modo que a cabeça ficasse do lado Oeste, para que, na "ressurreição" o corpo ficasse virado para o Sol da manhã.

A antítese destes rituais encontra-se na religião dos Thugs, os estranguladores da Índia. Adoram a deusa Kali, a divindade da morte. O seu ritual faz-se na direção contrária, virados para Oeste11. Max Heindel dá preciosa informação sobre o ambiente espiritual desta gente12.

Depois da reforma litúrgica, o Ordinário da missa com assistência de povo foi profundamente modificado. Diante do altar maior, colocou-se outro para que o sacerdote celebrasse voltado para os fieis. A intenção foi a de "facilitar a participação piedosa e ativa dos fiéis"13 e de restaurar a antiga tradição. É certo que, nas basílicas românicas como a de S. Pedro, o sacerdote se voltava para a assistência. Mas, nessas igrejas, construídas segundo o costume romano, a entrada principal fica do lado nascente, e o altar do poente; por isso, o sacerdote celebra virado para o Oriente e de frente para o povo. Nas igrejas orientadas corretamente, é que o celebrante consagra de costas para a assistência para se virar também para Oriente.

Com a revisão do ordinário da missa, inverteu-se completamente tão importante simbolismo. Ao celebrar, o sacerdote passou a ficar de costas para o lado onde se ergue a luz do mundo.

Esta modificação na orientação das igrejas tem a seguinte origem: o esquecimento ou rejeição do simbolismo escatológico que encerra a orientação tradicional, baseada no movimento do Sol durante o dia, e a ignorância do que é o "verdadeiro templo".

O templo verdadeiro é aquele que se constrói sem ruído de martelo14. É uma construção energética, ou cúpula magnética, que envolve o edifício físico. É um fenômeno oculto, produzido pela cristalização da estrutura gestual e ritual que o sacerdote adota na celebração litúrgica. Por estar em perfeita harmonia com a estrutura e a dinâmica do universo, torna-se manifestação natural do verbo criador. Essa construção é reforçada e mantida por todos os pensamentos, sentimentos, cânticos, etc., de todos os crentes que ali se reúnem com regularidade15.

Ora, a inversão de um símbolo, sacralizado pelo rito e pela experiência espiritual, é um ato cuja gravidade não é diminuída pelo desconhecimento das suas potencialidades ocultas, já que daí resulta, simplesmente, que o novo rito sirva de veículo a influências de natureza oposta à do símbolo original!

Hoje, à um número incontável de crentes torna-se cada vez mais indiferente. Os que "ficam", muitos vão vegetando, não sabem o que são nem o que devem fazer! As vocações vão rareando num ritmo assustador. Os dados estatísticos falam por si16. Nos escombros de todos esses problemas, no resíduo de todos esses conflitos e indiferenças, no beco sem saída das dificuldades e impasses, o que aflora, e verdadeiramente está em causa, é, em parte, o desconhecimento da verdadeira razão de ser de um ritual e das forças ocultas que, por meio dele, se conjugam para criar o "homem novo".

Notas
1.     John Michell, A Little History of Astro-Archeology, Thames and Hudson, Londres, 1989, p. 7-28.
2.     Platão considerava-as a fonte do conhecimento dos princípios éticos (do bem) e ontológicos (da natureza essencial), Cf. República, Guimarães Editores, Lisboa, 1962, Livro VII, pág. 33-52.
3.     Patrick Négrier, El Templo y su Simbolismo, Kompás Ediciones, S.L., Madrid, s/ d, pág. 106.
4.     Livro II, cap. 57, na edição de Pitra.
5.     Assim, o presbyterium passou a ser o martyrium; o trono do bispo e os bancos dos presbíteros foram ocupar os lugares do transeptum.
6.     Citado por Michel Gauquelin, A Cosmopsicologia, Círculo de Leitores, Lisboa, 1977, pág. 11.
7.     Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmo, 3ª ed., Lisboa, 1999, pág. 143; cf. Salmo 36(35),10.
8.     Max Heindel, Iniciação Antiga e Moderna, cap. I, Lisboa, 1999.
9.     Gén., 2, 8, Ez. 8, 16 e 63, 2-4.
10.   Mt. 2, 1-2.9; 24, 27; 8, 11; Lc. 1, 78-79; 2 Ped. 1, 19; Ap. 7, 2, etc.
11.   Edward Burnett Tylor, Cultura Primitiva, Editorial Ayuso, Madrid, s/d, vol. 2, pág. 458-461.
12.   Max Heindel, O Véu do Destino, Lisboa, 1996, pág. 44.
13. Sinopse dos Documentos Conciliares – Vaticano II, Braga, 1968, Constituição "Sacrosanctum Concilium" sobre a Liturgia, nºs 49 e 50.
14.   Max Heindel, Maçonaria e Catolicismo, Lisboa,1997, pág, 119, Cf. 1 Rs. 6,
15.   Max Heindel, O Véu do Destino, Lisboa, 1998, pág. 119.
16.   Carmen Ferreira, Fuga de Crentes à Fé Cristã tem Aumentado, in Jornal de Notícias, 10 de Março de 1999, pág. 13.

Texto publicado na Revista Rosacruz, edição nº 352, de junho/99, pertencente a Fraternidade Rosacruz de Portugual.
 

domingo, setembro 11, 2011

A Evolução da Bíblia:


A Evolução da Bíblia: Por séculos, a Bíblia tem sido, no ocidente, a autoridade máxima sobre diversos assuntos. A Palavra Divina capturada em papel, a vontade de Deus nua e crua. Argumente com algum religioso abrahâmico[1] que a Bíblia pode ter sido um bom livro, mas que mexeram tanto nela que do original só resta o nome e você consegue presenciar uma experiência em miniatura da formação de tornados.

De fato, argumentar qualquer coisa sobre o que foi feito ou não com a Bíblia acaba se tornando um exercício de especulação ou simplesmente do bom e velho cinismo. De um lado uns a defendem com unhas e dentes, de outro atiram paus e pedras sem mirar nem ver onde acertam. Para ambos os lados a conversa se torna um simples ato de gritar e se fazer ouvir e ambos saem tão convencidos de suas certezas quanto quando começaram.

Então ao invés de assumir qualquer um dos lados - "sim, é possível uma entidade supra humana inspirar outros de forma que registrem suas impressões em papel" ou "grande parte do que existe na Bíblia não passava de folclore, poesia e leis de uma época, que foram divinizadas como forma de se controlar um povo" - vamos simplesmente fazer uma listagem de fatos sobre ela para nos entreter e nos ajudar a tirar nossas conclusões.

1- O que é a Bíblia


Bíblia (do grego βίβλια, plural de βίβλιον, transl. bíblion, "rolo" ou "livro") é o texto religioso central do judaísmo e do cristianismo.

2- A Bíblia sempre foi a Bíblia?


Na verdade não. No início era conhecida como Tanakh ou Tanach (em hebraico תנ״ך), pelos Judeus. O seu conteúdo é equivalente ao do Antigo Testamento, mas seus textos estão organizados de forma diferente e são apresentados em outra ordem.

O nome Tanakh é formado pelas sílabas iniciais dos três livros que a formam:

- A Torá (תורה), também chamado חומש (Chumash, isto é "Os cinco") refere-se aos cinco livros conhecidos como Pentateuco), o mais importante dos livros do judaísmo.

- Neviim (נביאים) "Profetas"

- Kethuvim (כתובים) "os Escritos"

O Tanach é às vezes chamado de Mikrá (מקרא) 3- A Tanakh sempre foi a Tanakh?

A divisão refletida pelo acrônimo Tanakh está registrada em documentos do período do Segundo Templo (515 a.C. e 70 d.C.) e na literatura rabínica (A Mishná e a Tosefta - compiladas a partir de materiais anteriores ao ano 200 d.C. - são as primeiras obras existentes da literatura rabínica). Durante aquele período, entretando, o acrônimo Tanakh não era usado, sendo que o termo apropriado era Mikra ("Leitura"). Este termo continua sendo usado em nossos dias, junto com Tanakh, em referência as escrituras hebraicas.

No hebraico moderno, o uso do termo Mikra dá um tom mais formal do que o termo Tanakh.

De acordo com a tradição judaica, o Tanakh consiste de vinte e quatro livros. A Torah possui cinco livros, o Nevi'im oito livros e o Ketuvim onze.

4 - Mas espere ai. A Bíblia não vem desde a antiguidade? Ela não tem milhares e milhares de anos de idade?

Então, ai as coisas começam a ficam interessantes. A cultura oral judaica é muito antiga, mas no que diz respeito a material sólido existente, letras registradas no papel (ou pergaminho ou papiro ou metal) o que temos é um pouco mais recente.

Para entender isso vamos consultar alguns exemplos da tradição judaica.

O primeiro registro bíblico da passagem de uma tradição oral para uma escrita surge no livro do Êxodo quando Deus diz para Moisés que se prepare para receber "as tábuas de pedra, a lei e os mandamentos que escrevi para os ensinar" (Ex 24:12). E mesmo assim na Torá fica claro que não estão presentes todos os comandos e leis de Deus, um exemplo claro é o Shabat. Apesar de estar presente nos Dez Mandamento - tradição escrita - não existem detalhes de como fazer isso. Deus fala a Moisés que guarde o Shabat: "Santificai o dia de sábado, como ordenei a vossos pais” (Jeremias 17:22), mas não existe um relato dessas ordenanças. Outro exemplo está em Deuteronômio quando Deus diz para Moisés que "poderás degolar do teu gado e do teu rebanho ... como te ordenei" (Deuteronomio 12:21) mas não existe um registro escrito na própria Bíblia de que maneira isso deveria ser feito.

Isto nos mostra que mesmo que tenha surgido um registro escrito das leis muita coisa ficou de fora dele ainda, era uma tradição oral que foi mantida até muito depois.

Como já afirmou o Rabino Aryeh Kaplan "Visto que a Torá Escrita mostra-se primariamente incompleta a menos que complementada pela tradição oral...".

Assim vemos que mesmo com a escrita a tradição oral sempre foi muito forte, e permanece assim até hoje.

Mas o ponto é: o quanto essa mudança pode afetar nos registros da Bíblia?

Antes de mais nada vamos imaginar que os escritores originais acreditavam em Deus, e acreditavam que estavam registrando a Sua Vontade. Imaginem o zelo de uma pessoa que deseja registrar um texto que está chegando a ela diretamente do criador. E mais, ela ainda tem o peso de ter que passar isso de forma que não existam erros ou dúvidas, voltando para a Torá esse zelo aparece na passagem em que antes de morrer Moisés revisa a tradição passada por Deus que não havia sido registrada para esclarecer qualquer ponto que pudesse dar margens à dúvida ou interpretação: "Além do Jordão, na terra de Moab, começou Moisés a explicar esta Lei” (Deuteronômio 1:5). Mas veja que não existem registros ainda destas explicações, a preocupação não era registrar, mas passar adiante.

Ainda existe outro ponto interessante que é a resistência do próprio Deus de se registrar tudo o que se passasse. Sem querer ser leviano era algo como: Passei os registros que impostavam ser registrados, agora obedeçam, não percam tempo escrevendo qualquer coisa que Eu diga! Em Eclesiastes 12:12 lemos: "Escuta ainda, filho meu: escrever livros é tarefa sem fim, e muito estudo esgota a carne”. Ou em Oséias 8:12: "Se tivesse escrito a maioria de minha Torá, [Israel] seria contado igual a estranhos", onde vemos a tradição como algo que deveria permanecer dentre o povo e não ser passada para estranhos.

Assim temos mesmo uma relutância entre começar um registro da Vontade Divina, gravando-a para o futuro. Mas isso aconteceu, ao menos em parte. E agora vamos fazer um novo exercício. Imagine que Deus passou uma importante lei para o seu bisavô, ele passou para seu pai, seu pai para você e você decide registrá-la para que não se perca. Você tem como saber que está registrando exatamente o que foi passado para seu antepassado não tão distante?

Claro que podemos afirmar que se algo é repetido diariamente ele permanece íntegro. Mas temos casos quotidianos que mostram que não é bem assim que a coisa funciona. Uma expressão muito conhecida hoje é "cor de burro quando foge", mas ela acaba sendo aplicada em inúmeras situações que implicariam significados diversos. Estudando a origem da frase vemos que ela não se referia a uma mudança na coloração do asinino quando ele bate em retirada, e sim a um ditado que originalmente era: "corro de burro quando foge". Um burro é um animal dócil, quando ele se irrita e sai correndo se torna um animal perigoso, a expressão significaria algo como: "quando a situação fica preta eu não fico pensando, dou no pé!".

Vemos ai um caso de tradição oral que perde o sentido com o tempo e o uso. Um exemplo de outra tradição oral que não perde o sentido mas muda de sentido quando registrada é a famosa: "Quem tem boca, vai a Roma". Se consultarmos o Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, de Jayme Rebelo Hespanha (1936), a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1948), o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de António de Morais Silva (1949 a 1959), o Livro dos Provérbios Portugueses, da Editorial Presença (1999) e Dicionário de Provérbios, Adágios, Ditados, Máximas, Aforismos e Frases Feitas, da Porto Editora (2000) podemos atestar que este provérbio está registrado há muito tempo já, e ainda existem variantes dele: «Quem tem língua vai a Roma»; «Quem língua tem a Roma vai e de Roma vem»; «Quem tem língua a Roma vai e vem».

Em cima disso existem estudos sobre o significado dele, como por exemplo:

" A frase «Quem tem boca vai a Roma» traduz a notoriedade da Cidade Eterna, mas também a verdade de que quem sabe perguntar consegue chegar seja onde for (literal e figuradamente), consegue obter os conhecimentos de que precisa para se orientar. As palavras-chave aqui são três: boca, vai e Roma. A boca significa a capacidade de falar, de perguntar, de comunicar; o verbo ir tem que ver com o percurso, a caminhada, significando passar de um lugar a outro, deslocar-se, mas também evoluir, progredir; Roma fora, aquando do Império Romano, a capital, a cidade mais importante do mundo conhecido dos europeus, mas uma cidade que ficava longe, sob o ponto de vista dos mais remotos territórios que constituíam o vasto império, e, por outro lado, esta é a cidade cabeça da Igreja Católica, traduz a própria Igreja, o seu governo, o papado, significando para os católicos o que de melhor existe e que se procura alcançar. Chegar a Roma poderá ser difícil, mas quem tem a capacidade de falar ultrapassará os obstáculos e alcançará o que pretende: conseguirá chegar longe, até conseguirá chegar a Roma.

Roma entrou no adagiário por causa da sua importância, do seu valor, do seu mérito, e não por aspectos negativos: «Roma locuta est» (= «Roma falou»: se Roma falou, o que ela disse deve ser seguido pelos católicos); «Roma locuta, causa finita» (= «Roma falou, a causa acabou»); «Roma e Pavia não se fizeram num dia»; «Em Roma, sê romano»; «Todos os caminhos vão dar a Roma», «O que vai aqui não vai em Roma»."

Agora se passarmos algum tempo lendo livros protestantes encontramos uma versão diferente deste adágio dizendo: Quem tem boca vaia (do verbo vaiar) Roma. Vamos nos lembrar agora que os protestantes se tornaram protestantes por protestar contra a Santa Sé Católica, personificada por Roma, como vimos no estudo acima. A origem do adágio não tinha como objetivo mostrar que com vontade chegamos ou conseguimos o que quisermos mas como crítica contra a corrupção do Clero.

Existe algum debate sobre qual o adágio original, mas isso serve apenas para mostrar como a tradição oral pode sofrer mutações nos significados de seus ensinamentos e como depois de registrados eles se tornam uma base que pode ser falha. Imagine que existisse no Novo Testamento uma passagem dizendo como Jesus, durante a Santa Ceia havia dito aos apóstolos que quem tem boca vai a Roma. E imagine que recentemente se encontrasse um pergaminho datado do século I com a mesma passagem contendo a variante "vaia Roma". Como poderíamos ter certeza do que o Messias disse naquela noite?

Claro que nesses dois casos podemos dizer que são expressões populares que não podem ser comparadas a um ensinamento religioso passado por Deus aos Homens, mas podemos ver um outro caso onde algo semelhante ocorre.

Elvis Aaron Presley foi um homem admirado por muitos, em alguns casos essa admiração beirava a histeria e a mania. Ele nasceu em 1935 e morreu em 1977, mas se tornou febre só após os anos 1950 quando começa a sua carreira profissional.

O interessante de pensarmos em Elvis, é que este período em que virou uma febra cheio de fãs é bem recente, dos anos 1950 para os dias de hoje não transcorreram nem 60 anos. E em parte deste período ele esteve vivo ainda. No auge de sua carreira as pessoas desejavam por cada detalhe sobre sua vida que pudessem por as mãos e assim a mídia supria essas pessoas com tudo que pudesse imaginar, relatos de conhecidos e do próprio Elvis, entrevistas registradas, filmes, etc... Uma das manias de Elvis que ficou registrada era seu gosto por um sanduíche que ficou conhecido como Sanduíche de Elvis. É raro encontrar um fã que não tenha ouvido falar dele e muitos já o experimentaram, mas ai existe um problema interessante: não existe uma receita oficial aceita. As maiores biografias do Rei registram essa iguaria, dando também a receita, mas as receitas são diferentes.

O sanduíche era simples, Elvis morreu há pouco mais de 30 anos, três décadas, haviam cozinheiros, amigos, familiares, mas parece que cada um se lembra do sanduíche de maneira diferente. Alguns diziam que consistia de pão de forma, bananas fritas, manteiga de amendoim e bacon. Outros que não havia bacon, existem aqueles que dizem que havia sorvete, outros geléia.

Isto pode parecer uma comparação boba, mas não é. Se em três décadas uma simples receita de sanduíche se perde, por ficar apenas no boca a boca, imagine textos passados por Deus que ficaram no boca a boca por séculos antes de serem registrados?

Um último exemplo é talvez mais simples. Para agora para cantar o hino nacional do Brasil. Então escreva numa folha de papel. Depois pare 5 pessoas na rua, de forma aleatória e peça para elas cantarem, anote a letra ou grave, e depois compare com a sua, veja se o hino que é cantado em escolas, jogos de futebol, pronunciamentos da república é passado oralmente da mesma forma por todas as pessoas.

Então embora a tradição oral seja tão antiga quanto um povo, essa tradição pode muitas vezes mudar desde quando foi formulada e repassada a primeira vez até chegar nos registros.

5 - Mas não foi Moisés que escreveu a Torá? Essa parte não é tão antiga quanto ele? Qual o texto mais antigo da Tanakh?

Embora a tradição reze que o pentateuco, os cinco livros de Moisés (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) sejam os livros mais antigos, como evidência, o pedaço de documento mais antigo encontrado até hoje datam de 100 a.C.

Em 1947 foram encontrados em uma caverna de Q'umran os textos bíblicos mais antigos. O livro bíblico mais antigo que se tem notícias hoje de existir é o Livro de Isaías, um rolo de pergaminho de 7 metros datado do ano 100 a.C.. O Livro de Isaías, com mais de dois mil anos de idade, é uma prova única da autenticidade da tradição da Sagrada Escritura, pois o seu texto concorda com a redação das Bíblias atuais.

Ou trocando a ordem, o Livro de Isaías que temos hoje nas Bíblias é o mesmo que usavam em 100 a.C.

Antes desta descoberta os manuscritos mais antigos existentes datavam principalmente do século III e IV.

Além deste, o documento mais antigo com um trecho apenas da Bíblia é uma passagem de um dos livros de Samuel, escrito em torno de 225 a.C.

6 - Quando os textos que compõe a Tanakh foram escritos originalmente?


Como vimos, a Tanakh é composta por três divisões: Torá, Neviim e Kethuvim.

A tradição judaica mais antiga defende que a Torá existe desde antes da criação do mundo e foi usada como um plano mestre do Criador para construir o mundo a humanidade e principalmente o povo judeu. No entanto, a Torá como conhecemos teria sido entregue por Deus a Moisés (que de acordo com os cálculos de Jerónimo de Stridon teria vivido entre 1592 a.C. e 1472 a.C.), quando o povo de Israel, após sair do cativeiro no Egito, peregrinou em direção à terra de Canaã.

Então aqui culturalmente teríamos uma primeira data. Apesar do mundo - de acordo com a Bíblia - ter sido criado milênios antes do cativeiro, ela teria sida recebida pelos humanos através de Moisés. Então, culturalmente, até o livro do Êxodo a Tanakh não circulava por ai. Portanto a Bíblia mais antiga, ainda culturalmente falando, deveria datar do séc. XVI a.C.

Existem ainda os que defendem que , ainda que a essência da Torá tenha sido trazida por Moisés, a compilação do texto final foi executada por outras pessoas, já que os textos tratam de assuntos que incluem a morte do próprio Moisés, tornando difícil para ele escrever sobre isso.

De acordo com Jan Astruc, pioneiro na sistematização do estudo do desenvolvimento da Torá, afirma que a mesma é constituída por três fontes básicas, denominadas jeovista, eloísta e código sacerdotal, e mais outras fontes além destas três - deve-se enfatizar que, quando se fala destas fontes, não se refere a autores isolados, mas sim a escolas literárias.

Um estudo sobre a história do antigo povo de Israel mostra que, apesar de tudo, não havia uma unidade de doutrina e desconhecia-se uma lei escrita até os dias de Josias (16º rei de Judá, reinou durante o período de 640 a.C. a 609 a.C.). As fontes jeovista e eloísta teriam sua forma plenamente desenvolvida no período dos reinos divididos entre Judá e Israel (onde surgiria também a versão conhecida como Pentateuco Samaritano). O livro de Deuteronômio só viria a surgir no reinado de Josias (621 a.C.). A Torá como conhecemos viria a ser terminada nos tempos de Esdras, onde as diversas versões seriam finalmente fundidas. Vemos então o início de práticas que eram desconhecidas da maioria dos antigos israelitas, e que só seriam aceitas como mandamentos na época do Segundo Templo (515 a.C. e 70 d.C.) como a Brit milá, Pessach e Sucót por exemplo.

Então datar a Tanakh se torna complicado, pois apesar de ter condições de existir desde o século XVI a.C. - a época de Moisés - culturalmente o povo Judeu só teria condições de ter o livro nas mãos depois do século VI a.C.

7 - E quando juntaram todos esses textos em um único volume?
 

No século VI d.C., aproximadamente, um grupo de escribas judeus recebeu a missão de reunir os textos inspirados por Deus que eram utilizados pela comunidade hebraica em um único escrito. Este grupo foi batizado de Escola de Massorá - o termo "massorá" provém do hebraico "mesorah" (מסורה ou מסורת) e indica "tradição".

Os "massoretas" escreveram a Bíblia de Massorá, examinando e comparando todos os manuscritos bíblicos conhecidos à época. O resultado deste trabalho ficou conhecido posteriormente como o "Texto Massorético".

Então na nossa linha do tempo a versão original do texto da Bíblia, a Tanakh, se conclui finalmente no século VI d.C. 2200 anos depois de Moisés, aproximadamente.

8 - E então a Tanakh virou a Bíblia?


Ainda não. O Texto Massorético foi escrito e compilado apenas no século VI, mas havia já outras versões do Antigo Testamento circulando e muitas pessoas dão a elas mais importância do que a do Texto Massorético.

As outras versões existentes antes eram o Pentateuco Samaritano e a Septuaginta.

9 - Preciso perguntar?


Não, não precisa.

O Pentateuco samaritano ou Torá samaritana é o nome que se dá à Torá usada pelos judeus samaritanos.

Os Samaritanos são um pequeno grupo étnico-religioso aparentado aos judeus que habita nas cidades de Holon e Nablus situadas em Israel e na Cisjordânia respectivamente. Designam-se a si próprios como Shamerim o que significa "os observantes" (da Lei). Os samaritanos recusam o restante dos livros do Tanakh, aceitando apenas sua Torá como livro inspirado.

O Pentateuco samaritano está escrito no alfabeto Samaritano, que é diferente do hebraico e era a forma de escrita usada antes do cativeiro babilônico (cerce de 597-586 a.C). Além da linguagem diferente existem outras discrepâncias entre o Texto Massorético e a Torá Samaritana. Um exemplo é que na versão Samaritanda dos 10 mandamentos Deus comanda o povo que construa o altar no Monte Gerizim. O Pentateuco Samaritano ficou conhecido mundialmente quando Pietro della Valle trouxe de Damasco em 1616 uma cópia do texto.

Mesmo assim essa versão do Texto Samaritano não é absoluta. Em Q'umran foram encontrados fragmentos do texto que combinam com o Texto Massorético, como por exemplo não trazer nenhuma referência ao Monte Gerizim.

A Versão dos Setenta ou Septuaginta Grega, designa a tradução grega do Antigo Testamento, elaborada entre os séculos IV e II a.C., feita em Alexandria, no Egito. O seu nome deve-se à lenda que referia ter sido essa tradução um resultado milagroso do trabalho de 70 eruditos judeus, e que pretende exprimir que não só o texto, mas também a tradução, fora inspirada por Deus. A Septuaginta Grega é a mais antiga versão do Antigo Testamento que conhecemos. A sua grande importância provém também do facto de ter sido essa a versão da Bíblia utilizada entre os cristãos, desde o início, e a que é citada na grande parte do Novo Testamento.

Da Septuaginta Grega fazem parte, além da Bíblia Hebraica, os Livros Deuterocanónicos (aceites como canónicos apenas pela Igreja Católica), e alguns escritos apócrifos (não aceites como inspirados por Deus por nenhuma das religiões cristãs ocidentais).

10 - E finalmente temos a Bíblia...


Ainda não.

Preste atenção que até o momento todas essas versões que vimos do Texto da Lei eram usadas por Judeus. Não haviam cristãos ainda no mundo, mesmo o texto massorético do século VI d.C. ainda diz respeito aos Judeus. E para entender o surgimento do que os cristãos chamam de Bíblia temos que entender o que era o cristianismo, e não estamos falando de Jesus.

Os Judeus sempre se dividiram em vários grupos, e todos eles em um determinado momento esperavam a vinda do Messias para unir o povo sob a Lei de Deus e trazer um período de paz. O advento do Cristianismo foi a divulgação que de esse Messias teria vindo, na figura de Jesus, e então através de Cristo o povo teria uma nova aliança com Deus.

Mas a importância disso foi a criação de uma nova crença. Os primeiros cristãos eram todos judeus, a briga começou quando começaram a defender que como a mensagem de cristo era para todos, que gentis - não judeus - poderiam compartilhar a mesma fé, deixando de lado costumes judaicos, como por exemplo a circuncisão. Veja que a circuncisão foi usada por Abrahão para mostrar que estava a serviço de Deus, desde então todo Judeu deveria ser circuncidado, imagine o que era então os cristãos judeus terem que aceitar pessoas que não faziam parte da crença serem aceitas sem obedecer a certos costumes.

Isso criou a necessidade de um material para divulgar a crença judaica - não havia novo testamento ainda - para os novos convertidos, que não eram judeus.

Quando o cristianismo começou a se espalhar pelo Império Romano nasceu então a necessidade de se traduzir os escritos sagrados para os cristãos que não liam nem grego nem hebraico.

Essa tradução surgiu no século I e foram realizadas por tradutores informais. Ficou conhecida como a Vetus Latina, podemos dizer que ela foi a primeira versão da Tanakh para cristãos e mesmo assim não era carregada debaixo do braço, era usada como forma de catequese.

11 - Então a primeira Bíblia Cristã surgiu no século I?


Não. A Vetus Latina não era uma bíblia ainda. Como dissemos ela foi feita por tradutores informais, isso significa que pedaços dos textos antigos, tanto os judaicos quanto os gregos eram traduzidos de acordo com a necessidade. Assim ela não era uma Bíblia Latina. Ela era mais uma gambiarra para poder mostrar ao povo que não estava familiarizado com os textos Judeus a religião, e então ter um texto que eles pudessem compreender quando se convertessem. E mesmo assim suas primeiras versões não traziam os textos conhecidos como o Novo Testamento.

Os textos da Vetus Latina chegaram até nós através de vários códices.

Os códices (ou codex, da palavra em latim que significa "livro", "bloco de madeira") eram os manuscritos gravados em madeira, em geral do período da era antiga tardia até a Idade Média. Manuscritos do Novo Mundo foram escritos por volta do século XVI.

O códice é um avanço do rolo de pergaminho e gradativamente substituiu este último como suporte da escrita. O códice, por sua vez, foi substituído pelo livro impresso.

Os mais conhecidos são:

Códice Bobienus (K) - séc. IV. É um manuscrito africano em Unçais. Contém fragmentos dos Evangelhos de Marcos e Mateus;

Códice Vercellensis (a) - Séc. IV. Texto em Unçais. Contém todos os quatro Evangelhos;

Códice Bezae (q) - Séc. V. É um manuscrito bilingüe, com o Grego no verso e o Latim na frente. Contém os quatro Evangelhos, Atos e 3 João;

Códice Monacensis 13 (q) - Séc. VI-VII. Texto em Unçais. Contém os quatro Evangelhos;

Palimpsest 53 (s) - Séc. VI. Conhecido também como Bobiensis ou Vindobonensis. Texto em meio unçal. Contém fragmentos dos Atos e as 14 Cartas Católicas.

Os textos da Vetus Latina organizados como um único livro foram encontrados em manuscritos tardios, datados do séc. XIII. Muitas das versões da Vetus Latina não foram consideradas autorizadas como traduções bíblicas que poderiam ser usadas por toda Igreja. A estas traduções precedentes, muitos estudiosos adicionam freqüentemente citações das passagens bíblicas que aparecem nos escritos dos Pais da Igreja Latina. Acredita-se que alguns deles compartilham da leitura de determinados grupos de manuscritos. Depois de comparar a leitura de Lucas 24,4-5 nos manuscritos da Vetus Latina, Bruce Metzger contou "não menos que 27 variações!".

Os livros bíblicos reunidos no conjunto de manuscritos disponíveis da Vetus Latina são:

VETUS TESTAMENTUM
Genesis
Exodus
Leviticus
Numeri
Deuteronomium
Josue
Judicum (Juízes)
Ruth
1-4 Regum (1 e 2 Reis (1 e 2 Samuel) e 3 e 4 Reis (1 e 2 Reis))
1-2 Paralipomenon (Paralipômenos ou Crônicas)
Esdras
Nehemias
3-4 Esdras
Tobit
Judith
Hester
Job
Psalmi (Salmos)
Proverbia
Ecclesiastes
Canticum Canticorum
Sapientia (Sabedoria de Salomão)
Sirach, Ecclesiasticus (Sabedoria de Sirac ou Eclesiástico).
Esaias (Isaías)
Jeremias (Lamentationes, Baruch)
Daniel
XII Prophetae (Doze Profetas)
I-II Macchabaeorum (1 e 2 Macabeus).

NOVUM TESTAMENTUM
Matthaeus
Marcus
Lucas
Johannes
Actus Apostolorum
Ad Romanos
Ad Corinthios I
Ad Corinthios II
Galatas
Ad Ephesios
Ad Philippenses
Colossenses
Ad Thessalonicenses
Timotheum
Ad Titum
Philemonem
Hebraeos
Epistulae Catholicae (1 e 2 Pedro; 1, 2 e 3 João; Tiago e Judas)
Apocalypsis Johannes

12 - E a Bíblia que existe hoje veio da Vetus Latina?


Não.

Como vimos, o texto "definitivo" - entre aspas porque ainda não é aceito por todo como unânime - do judaísmo, surgiu no século VI d.C., a versão destinada para cristãos ainda levou mais um tempo.

No século IV d.C. Dâmaso (hoje conhecido como São Dâmaso ou ainda como Papa Dâmaso I) pediu que Jerônimo (conhecido como São Jerônimo, o padroeiro dos bibliotecários e das secretárias), criasse uma versão autorizada da Bíblia na língua latina, a idéia era parar com a enormidade de textos avulsos que surgiam, traduzidos por pessoas diferentes conforme a necessidade individual e criassem um texto padrão, que pudesse ser usado por todos, e assim eles saberiam que um cristão da África havia recebido exatamente a mesma doutrina de um cristão da Espanha, por exemplo.

Jerônimo então revê a Septuaginta grega e os textos da Vetus Latina. E decide que vai começar tudo do zero. A este trabalho batiza de Vulgata. O nome vem da frase versio vulgata, isto é "versão dos vulgares", e foi escrito em um latim cotidiano, a versão antiga do "escrito em um latim moderno e popular".

Até então a Igreja[2] usava textos na língua grega, foi inclusive nesta língua que se escreveu todo o Novo Testamento, incluindo a Carta aos Romanos, de São Paulo, bem como muitos escritos cristãos de séculos seguintes.

A Vulgata foi produzida para ser mais exata e mais fácil de compreender do que suas predecessoras. Foi a primeira, e por séculos a única, versão da Bíblia que possuiu os textos do Velho Testamento traduzidos diretamente do hebraico e não da versão grega (a Septuaginta). No Novo Testamento, Jerônimo selecionou e revisou textos. Ele inicialmente não considerou canônicos os sete livros, chamados por católicos e ortodoxos de deuterocanônicos. Porém, trabalhos seus posteriores mostram sua mudança de conceito, pelo menos a respeito dos livros de Judite, Sabedoria de Salomão e o Eclesiástico (ou Sabedoria de Sirac), conforme atestamos em suas últimas cartas a Rufino.

13 - Perai, Jerônimo não considerou como canônico alguns livros? Mas quem decidia o que era canônico ou não? E o que é canônico?


Vamos começar de trás para frente.

Um cânone ou cânon normalmente se caracteriza como um conjunto de regras (ou, frequentemente, como um conjunto de modelos) sobre um determinado assunto, em geral ligado ao mundo das artes e da arquitetura. A canonização é a sistematização deste conjunto de modelos.Cânone, em hebraico é qenéh e no grego kanóni, têm o significado de "régua" ou "cana (de medir)", no sentido de um catálogo.

O Cânone Bíblico designa o inventário ou lista de escritos ou livros considerados pelas religiões cristãs como tendo evidências de Inspiração Divina.

E sobre quem decide que livro é canônico ou não, vamos ver isso um pouco mais a diante, para não perdermos o rumo.

14 - Bom, então com a criação da Vulgata nós temos uma Bíblia, ou ainda não?


Glória aos Céus! Agora sim.

Entre os anos de 1545 e 1563 a igreja católica realizou seu 19º concílio ecumênico, também conhecido como o Concílio de Trento. Ele foi convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade da fé (sagrada escritura histórica) e a disciplina eclesiástica. O concílio tem este nome em referência à cidade de Trento, onde transcorreu, e nele foi estabelecido um texto único para a Vulgata, a partir de vários manuscritos existentes, e oficializado como a Bíblia oficial da Igreja. Esta Bíblia ficou conhecida como Vulgata Clementina.

Após o Concílio Vaticano II, por determinação de Paulo VI, foi realizada uma revisão da Vulgata, sobretudo para uso litúrgico. Esta revisão, terminada em 1975, e promulgada pelo Papa João Paulo II em 25 de abril de 1979, é denominada Nova Vulgata, estabelecendo esta como a nova Bíblia oficial da Igreja Católica.

15 - Mas a Bíblia só passou a existir desta forma no século XVI, ou no século XX?
Não extamente. Existem alguns fatos que devem ser levados em consideração.

Por exemplo

Se levarmos em conta os textos sagrados, a Bíblia levou 1600 anos para ser escrita. Se pensarmos que ela começou a ser registrada na época de Moisés (cerca de 1500 a.C.) e terminou com o evangelho de João (cerca de 96 d.C.), essa é a datação cultural dos textos.

Mesmo assim na época do evangelho de João não havia unidade nos textos. Para se ter idéia, os textos só passaram a ser conhecidos como Bíblia com Jerônimo, que chamou pela primeira vez ao conjunto dos livros do Antigo Testamento e Novo Testamento de "Biblioteca Divina" (cerca de 347d.C. - 419/420 d.C.). "Bíblia”, inclusive, é uma palavra que não aparece na Bíblia. Ela vem do termo grego biblos, por causa da cidade fenícia de Biblos, um importante centro produtor de rolos de papiro usados para fazer livros. Com o tempo, a palavra biblos passou a significar “livro”. Biblia é a forma plural (“livros”).

Embora algumas obras afirmem que no Concílio de Nicéia (325 d.C.) discutiu-se quais evangelhos fariam parte da Bíblia não há menção de que esse assunto estivesse em pauta, nem nas informações dos historiadores do Concílio, nem nas Atas do Concílio que chegaram a nós em três fragmentos: o Símbolo dos apóstolos, os cânones, e o decreto senoidal.

No ano de 1740 foi publicado o Cânone Muratori - também conhecido por fragmento muratoriano ou fragmento de Muratori - descoberto na Biblioteca Ambrosiana de Milão por Ludovico Antonio Muratori (1672 – 1750). Na lista figuram os nomes dos livros que o autor desconhecido da lista considerava admissíveis, com alguns comentários. A lista está escrita em latim e encontra-se incompleta, daí ser chamada de fragmento.

Apesar de ser consensual datar o manuscrito como sendo do século VII, ele é cópia de um texto mais antigo, datado como tendo sido escrito por volta do ano 170, já que nele é falam do Pastor de Hermas e do papado de Pio I, morto em 157.

Os livros canônicos mencionados na lista são aproximadamente os mesmos que se consideram hoje como canônicos neo-testamentários, com algumas variações. O Cânone de Muraori aceita quatro evangelhos, dos quais dois são o Evangelho de Lucas e o Evangelho de João, não se conhecendo os outros dois, pois falta o princípio do manuscrito, onde estariam os nomes dos dois primeiros. A lista segue com os Atos dos Apóstolos e com 13 epístolas de Paulo de Tarso (não menciona a Epístola aos Hebreus). Considera falsificações as epístolas supostamente escritas por Paulo aos laodiceanos e a escrita aos alexandrinos. Nele só se mencionam duas epístolas de João, sem as descrever. Figura também no fragmento o Apocalipse de Pedro, ainda que com certas reservas ("o qual alguns dos nossos não permitem que seja lido na Igreja").

O Livro da Sabedoria do Antigo Testamento também é citado como sendo canônico.

No Cânone de Muratori está escrito:

"...aos quais esteve presente e assim o fez. O terceiro livro do Evangelho é o de Lucas. Este Lucas ´ médico que depois da ascensão de Cristo foi levado por Paulo em suas viagens ´ escreveu sob seu nome as coisas que ouviu, uma vez que não chegou a conhecer o Senhor pessoalmente, e assim, a medida que tomava conhecimento, começou sua narrativa a partir do nascimento de João. O quarto Evangelho é o de João, um dos discípulos.

Questionado por seus condiscípulos e bispos, disse: ´Andai comigo durante três dias a partir de hoje e que cada um de nós conte aos demais aquilo que lhe for revelado´. Naquela mesma noite foi revelado a André, um dos apóstolos, que, de conformidade com todos, João escrevera em seu nome.

Assim, ainda que pareça que ensinem coisas distintas nestes distintos Evangelhos, a fé dos fiéis não difere, já que o mesmo Espírito inspira para que todos se contentem sobre o nascimento, paixão e ressurreição [de Cristo], assim como sua permanência com os discípulos e sobre suas duas vindas ´ depreciada e humilde na primeira (que já ocorreu) e gloriosa, com magnífico poder, na segunda (que ainda ocorrerá).

Portanto, o que há de estranho que João freqüentemente afirme cada coisa em suas epístolas dizendo: ´O que vimos com nossos olhos e ouvimos com nossos ouvidos e nossas mãos tocaram, isto o escrevemos´? Com isso, professa ser testemunha, não apenas do que viu e ouviu, mas também escritor de todas as maravilhas do Senhor.

Os Atos foram escritos em um só livro. Lucas narra ao bom Teófilo aquilo que se sucedeu em sua presença, ainda que fale bem por alto da paixão de Pedro e da viagem que Paulo realizou de Roma até a Espanha.

Quanto às epístolas de Paulo, por causa do lugar ou pela ocasião em que foram escritas elas mesmas o dizem àqueles que querem entender: em primeiro lugar, a dos Coríntios, proibindo a heresia do cisma; depois, a dos Gálatas, que trata da circuncisão; aos Romanos escreveu mais extensamente, demonstrando que as Escrituras têm como princípio o próprio Cristo.

Não precisamos discutir sobre cada uma delas, já que o mesmo bem - aventurado apóstolo Paulo escreveu somente a sete igrejas, como fizera o seu predecessor João, nesta ordem: a primeira, aos Coríntios; a segunda, aos Efésios; a terceira, aos Filipenses; a quarta, aos Colossenses; a quinta, aos Gálatas; a sexta, aos Tessalonicenses; e a sétima, aos Romanos.

E, ainda que escreva duas vezes aos Coríntios e aos Tessalonicenses, para sua correção, reconhece - se que existe apenas uma Igreja difundida por toda a terra, pois da mesma forma João, no Apocalipse, ainda que escreva a sete igrejas, está falando para todas. Além disso, são tidas como sagradas uma [epístola] a Filemon, uma a Tito e duas a Timóteo; ainda que sejam filhas de um afeto e amor pessoal, servem à honra da Igreja Católica e à ordenação da disciplina eclesiástica. Correm também uma carta aos Laodicenses e outra aos Alexandrinos, atribuídas [falsamente] a Paulo, mas que servem para favorecer a heresia de Marcião, e muitos outros escritos que não podem ser recebidos pela Igreja Católica porque não convém misturar o fel com o mel.

Entre os escritos católicos, se contam uma epístola de Judas e duas do referido João, além da Sabedoria escrita por amigos de Salomão em honra do mesmo. Quanto aos apocalipses, recebemos dois: o de João e o de Pedro; mas, quanto a este último, alguns dos nossos não querem que seja lido na Igreja. Recentemente, em nossos dias, Hermas escreveu em Roma 'O Pastor', sendo que o seu irmão, Pio, ocupa a cátedra de Bispo da Igreja de Roma.

É, então, conveniente que seja lido, ainda que não publicamente ao povo da Igreja, nem aos Profetas ´ cujo número já está completo , nem aos Apóstolos ´ por ter terminado o seu tempo. De Arsênio, Valentino e Melcíades não recebemos absolutamente nada; estes também escreveram um novo livro de Salmos para Marcião, juntamente com Basíledes da Ásia..."

Então já na época haviam dúvidas a que textos eram de fato inspirados pelo Espírito de Deus e quais eram criações - sinceras ou não - de homens.

Além disso, a Bíblia sempre foi apresentada como um longo texto corrido, ela foi dividida em capítulos apenas no século XIII (entre 1234 e 1242), pelo teólogo Stephen Langhton, então Bispo de Canterbury, na Inglaterra, e professor da Universidade de Paris, na França. Foi apenas nos séculos IX e X que estudiosos Judeus dividiram o Antigo Testamento em versículos. O Novo Testamento recebeu a divisão em versículos no ano de 1551, o responsável foi um impressor francês chamado Robert d´Etiénne.

Até boa parte do século XVI, as Bíblias eram publicadas somente com os capítulos. Foi assim, por exemplo, com a Bíblia que Lutero traduziu para o Alemão, por volta de 1530. A primeira Bíblia a ser publicada incluindo integralmente a divisão de capítulos e versículos foi a Bíblia de Genebra, lançada em 1560, na Suíça.

E mesmo assim nem todas as Bíblias trazem os mesmos textos.

16 - Como assim? Até hoje em dia existem Bíblias diferentes?
 

Sim.

Apesar da antiguidade dos livros bíblicos, os manuscritos mais antigos que possuímos datam a maior parte do III e IV Século d.C.. Tais manuscritos são o resultado do trabalho de copistas (escribas) que, durante séculos, foram fazendo cópias dos textos, de modo a serem transmitidos às gerações seguintes. Transmitido por um trabalho desta natureza o texto bíblico, como é óbvio, está sujeito a erros e modificações, involuntários ou voluntários, dos copistas, o que se traduz na coexistência, para um mesmo trecho bíblico, de várias versões que, embora não afetem grandemente o conteúdo, suscitam diversas leituras e interpretações dum mesmo texto. O trabalho desenvolvido por especialistas que se dedicam a comparar as diversas versões e a seleccioná-las, denomina-se Crítica Textual. E o resultado de seu trabalho são os Textos-Padrão.

Ou seja, existe um esforço para se descobrir quais as formas originais dos textos que temos hoje, quais estariam mais próximos da forma como forma concebidos.

A grande fonte hebraica para o Antigo Testamento é o Texto Massorético, que como já vimos, foi fechada no século VI d.C.

Isso combinado com as várias igrejas que se formaram depois do Cristianismo serviram para que várias versões da Bíblia sobrevivessem até os dias de hoje, cada uma com características próprias.

17 - Mas com o cristianismo não houve um consenso sobre que textos fariam parte da Bíblia?

Infelizmente não.

E para isso vamos voltar ao conceito de Cânone Bíblico.

Segundo a literatura judaica Esdras, na qualidade de escriba e sacerdote, presidiu um conselho formado por 120 membros chamado Grande Sinagoga, que teria selecionado e preservado os rolos sagrados. Alguns acreditam que naquele tempo o Cânone das Escrituras do Antigo Testamento foi fixado (Esdras 7:10,14). Entretanto esta tese é desacreditada pela crítica moderna. Os estudiosos concordam que foi essa mesma entidade que reorganizou a vida religiosa nacional dos repatriados e, mais tarde, deu origem ao Supremo Tribunal Judaico, denominado Sinédrio.

Curiosamente os Saduceus e os Samaritanos só aceitavam como canônicos os cinco livros de Moisés. Por esta razão, os especialistas especulam que Esdras tenha reunido apenas o Pentateuco, isto é, os cinco livros de Moisés.

O prólogo da versão grega do Eclesiástico, datado em 130 a.C parece já confirmar a suspeita dos estudiosos modernos. Com efeito nele lemos: "Pela Lei, pelos Profetas e por outros escritores que os sucederam, recebemos inúmeros ensinamentos importantes (...) Foi assim que após entregar-se particularmente ao estudo atento da Lei, dos Profetas e dos outros Escritos, transmitidos por nossos antepassados [...]".

Nota-se que o cânon indicado neste escrito considera canônicos livros posteriores ao tempo dos profetas.

O Cânone Hebraico de 39 livros, só foi realmente fixado no Concílio de Jâmnia - criado para procurar um rumo para o judaísmo, após a destruição do Templo de Jerusalém, no ano 70 d.C - em 90d.C.. Mesmo assim estudiosos como Leonard Rost garantem que tais decisões demoraram muito para serem aceitas e até hoje não tiveram aceitação em algumas comunidades judaicas; como o caso dos judeus do Egito.

Neste concílio os participantes decidiram considerar como textos canônicos do judaísmo apenas os que existiam em língua hebraica e que remontassem ao tempo do profeta Esdras, rejeitando todos os outros livros e demais escritos, considerando-os como apócrifos, ou seja, não tendo evidências de inspiração por Deus e fonte de fé. Houve muitos debates acerca da aprovação de certos livros, como Ester e Cântico dos Cânticos, conforme registro da Mishiná.

Apesar da crítica moderna afirmar que vários livros que constam no Cânon Hebraico são posteriores ao tempo de Esdras (como é o caso do Livro de Daniel), os estudiosos explicam que os Fariseus não dispunham do método científico que existe hoje para se datar uma obra, ou mesmo para se atribuir a ela um autor. De qualquer forma, os critérios por eles adotados excluíram os livros deuterocanônicos do Cânon Hebraico.

Para não confundir: o Concilio de Jâmnia (ano 90 d.C.) decidiu quais os livros que fariam parte do cânon. Os Massoretas, século VI, decidiram qual a forma correta dos textos que haviam sido selecionados.

Além disso no início não havia uma Igreja organizada, como hoje e desde o tempo de Jesus, entre seus discípulos, sempre existiram controvérsias doutrinárias e disciplinares, como se vê em At 15, 1-5. Havia grupos em Roma, no Oriente e norte da África, que sob influência helenística, zoroastrista e de convicções pessoais, que queriam adaptar a doutrina de Jesus às suas idéias. Tais foram os grupos dissidentes ou heréticos fundados por Donato, a gnose de Marcion (o "Primogênito de Satanás"), Montanus, Nestório, Paulo de Samósata e Valentinus entre outros. Os escritos de Tertuliano contra os heréticos e o "Contra as heresias" de Ireneu foram respostas às heresias. O Concílio de Nicéia foi convocado pelo imperador Constantino devido a disputas em torno da natureza de Jesus "não criado, consubstancial ao Pai". Na Santíssima Trindade, as três pessoas têm a mesma natureza, ou seja, a divina.

Então apesar do Antigo Testamento já ter uma aceitação mais ou menos geral de que textos eram inspirados e quais não eram, o Novo Testamento ainda não possuía unidade. Mesmo com tentativas como a do Cânone Muratori, 170 d.C., o Novo Testamento ainda era um Deus nos Acuda, já que as pessoas ainda não tinham nem muita certeza sobre o que era o Cristianismo.

A partir de 325, algumas verdades do Cristianismo foram estabelecidas como dogma através de cânones promulgados pelo concílio de Nicéia, dentre outros.

Desde Jesus Cristo (Jo 17,21) passando por todos os apóstolos, especialmente São Paulo, existe um impulso para estabelecer unidade no cristianismo. A primeira forma de demonstração desse impulso foi a manutenção da unidade em torno de Pedro. Se há um só Deus, que se revelou em Jesus Cristo, que fundou Sua única Igreja (Mt 16,18) e se Jesus Cristo mesmo diz que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, não podem existir outras verdades verdadeiras. Uma das linhas que foi condenada como heresia eram as que divergiam da afirmação de que Cristo era totalmente divino e totalmente humano e que as três pessoas da Trindade são iguais e eternas. Este dogma (Um só Deus em Três Pessoas = Três pessoas e uma só natureza divina assim como existem bilhões de pessoas e uma só natureza humana) só foi estabelecido depois que Ário, um celebrado professor do cristianismo - e também mártir - o desafiou.

E assim, muitos textos que poderiam fazer parte da Bíblia foram banidos, por serem considerados heréticos.

E ai voltamos ao cíclo vicioso da falta de gráficas, porque uma vez definidos os textos que fariam parte da Bíblia Cristã, eles estavam sujeitos à manipulação por parte dos copistas (seja essa manipulação causada por erro sincero ou pela maldade no coração do homem).

18 - Então além do Antigos Testamento, e dos livros do Novo Testamento, haviam outros livros e textos religiosos circulando por ai?
Sim, tecnicamente esses livros receberam dois nomes: Deuterocanônicos e Apócrifos.

O termo "deuterocanônico" é formado pela raiz grega deutero (segundo) e canônico (que faz parte do Cânon, isto é do conjunto de livros considerados inspirados e normativos por uma religião ou igreja). Assim, o termo é aplicado a livros e partes de livros bíblicos que só num segundo tempo foram considerados como canônicos.

O adjetivo "deuterocanônico" é originalmente aplicado a estes textos pelos cristãos, que depois de um tempo passaram a encará-los como inspirados e fazendo parte integrante da Bíblia.

O fato de não os considerarem inspirados por alguns, não caracteriza o descarte ou na desvalorização desses livros. Hoje eles são considerados patrimônios históricos da fé, pois refletem e fizeram parte das crenças cristãs ao longo da História, sendo portanto de grande valor literário e religioso.

São deuterocanônicos os seguintes livros bíblicos:

- Tobias
- Judite
- I Macabeus e II Macabeus
- Sabedoria
- Eclesiástico (também chamado Sirácide ou Ben Sirá )
- Baruc

Fora os livros deuterocanônicos podemos também encontrar fragmentos deuterocanônicas dentro de livros canônicos como:

- adições em Ester
- adições em Daniel - nomeadamente os episódios da Casta Susana e de Bel e o dragão

Estes livros eram já conhecidos pelos cristãos, que os citavam e utilizavam. Os estudiosos encontraram citações destes livros nas obras de Ireneu, Justino, Agostinho, Jerônimo, Basílio Magno, Ambrósio e muitos outros. Por sua vez eram considerados somente eclesiásticos por outros, isto é, não canônicos porém não contrários à Fé. Foi o caso de Melitão, Rufino, Atanásio e outros. Como podemos ver o assunto não era pacífico, e houve bastante desacordo sobre o tema.

Jerônimo inicialmente negou a canonicidade dos deuterocanônicos. Porém, os estudiosos encontraram uma mudança posterior de sua opinião em suas cartas escritas a Rufino e a Paulino, Bispo de Nola.

Mas no fim das contas esta discordância parece ter sido resolvida depois, ou então não influenciou o parecer comum da Igreja Antiga.

Nenhum Concílio da Igreja Primitiva recusou a canonicidade destes livros, ao contrário. Foram declarados canônicos nos Concílios regionais de Roma (382 d.C, dando origem ao Cânon Damaseno), Hipona I (cânon 36, 393 d.C), Cartago III (cânon 47, 397 d.C), IV (cânon 24, 417 d.C), Trullo (cânon 2, 692).

Um documento conhecido como Decreto Gelasiano (496 d.C) também confirma a canonicidade dos deuterocanônicos.

A aceitação comum dos deuterocanônicos como livros sagrados pode-se ainda atestar nas primeiras versões Bíblicas, como a Vetus Latina e a Vulgata. No Oriente, a Septuaginta foi adotada como a versão oficial do Antigo Testamento.

Os livros deuterocanônicos foram escritos entre Malaquias e Mateus, ou seja, numa época em que segundo o historiador judeu Flávio Josefo, cessara por completo a revelação divina. Entretanto segundo os Evangelhos a revelação do Antigo Testamento durou até João Batista (cf. Mt 11,12-13 e Lc 16,16).

Os textos deuterocanônicos chegaram até nós apenas em grego (alguns escritos originalmente nessa língua, outros traduzidos duma versão hebraica, que se perdeu), fazendo parte da Septuaginta. Tais textos não se encontram na Tanakh.

É importante dizer que também no Novo Testamento existem livros deuterocanônicos. São eles:

- Tiago
- Hebreus
- Apocalipse
- 2 Pedro
- 2 e 3 João.

Assim como os livros deuterocanônicos do Antigo Testamento, estes também tiveram sua canonicidade contestada por muitos séculos.

E mesmo depois deste tempo todo ainda não havia consenso. Martinho Lutero, o reformista da Igreja Católica e pai do Protestantismo, chegou até mesmo não considerar canônicos Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse, que na sua tradução da Bíblia para o Alemão deixou-os num apêndice sem numeração de páginas. Depois os demais reformadores decidiram que estes livros deveriam voltar à Bíblia, pela larga utilização nas comunidades cristãs, mas não fizeram o mesmo com os deuterocanônicos do AT.

No início do séc. XV, um grupo dissidente da Igreja Copta (também chamados de Monofisistas), conhecidos como Jacobitas questionaram o Cânon Alexandrino entre outras coisas. Em 1441, O Concílio Ecumênico de Florença, através da Bula Cantate Domino (4/2/1442) reafirma o caráter canônico do Cânon Alexandrino.

Com a Reforma Protestante, Lutero volta a questionar o caráter canônico dos Deuterocanônicos negando inclusive seu caráter eclesiástico, pois para ele estes livros eram contrários à Fé. Em 1545, é convocado o Concílio de Trento, que novamente afirma o caráter canônico do Cânon Alexandrino.

No início não houve consenso entre os Protestantes sobre o Cânon do Antigo Testamento. O Rei Jaime I da Inglaterra, responsável pela famosa tradução KJV (King James Version), defendia que os Deuterocanônicos deveriam continuar constando nas Bíblias Protestantes. Praticamente na mesma época surgiu uma tradução conhecida como Bíblia de Geneva ou Genebra, que caracterizava os Deuterocanônicos como apócrifos.

Somente após a "Confissão de fé de Westminster" (séc. XVII), protestantes ingleses que eram influenciados pelo calvinismo e puritanismo removeram das suas listas os livros deuterocanônicos, passando a adotar como lista de composição do Antigo Testamento o Cânon Hebraico conforme instituído no Concílio de Jâmnia. Princípios desta confissão foram espalhando-se por várias denominações e seu conteúdo funcionou como resposta ao concílio de Trento.

Muitos cristãos protestantes têm denominado esses livros como "apócrifos"; por alegarem que neles existam erros geográficos e que não haja concretização de fatos narrados nesses livros, chegando a abdicarem da utilização dos mesmos nas suas listas, não os considerando divinamente inspirados.

Outro argumento apontado é de que foram escritos no período intertestamentário (período de 400 anos compreendidos entre o novo e o velho testamento), ou seja em um período que segundo os teólogos reformadores Deus não teria levantado nenhum profeta. Período também conhecido como "silêncio profético" , fazendo com que não reconheçam estes livros como fazendo parte da palavra de Deus.

Então se formos tentar colocar ordem nesta bagunça:

Os deuterocanônicos já faziam parte da vida dos judeus através Septuaginta, da Vetus Latina e da Vulgata. A primeira Bíblia impressa da história, conhecida como a Bíblia de Gutenberg (1450-1455) também já continha os livros deuterocanônicos do Antigo Testamento. Eles estavam presentes mesmo nas primeiras versões protestantes como a KJV (King James Version).

Já os Apócrifos, do grego Apokruphoi, secreto, separado ou excluído, eram conhecidos como Livros Pseudo-canônicos. O termo "apócrifo" foi cunhado por Jerônimo, no quinto século, para designar basicamente antigos documentos judaicos escritos no período entre o último livro das escrituras judaicas, Malaquias e a vinda de Jesus Cristo. São livros considerados não inspirados e portanto não entraram no Cânon.

No cristianismo ocidental atual existem vários livros considerados apócrifos; nos sínodos realizados ao longo da história esses livros foram banidos do canon, outros obtiveram uma reconsideração e retornaram à condição de Sagrados.

O número dos livros apócrifos é maior que o da Bíblia canônica. É possível contabilizar 113 deles, 52 em relação ao Antigo Testamento e 61 em relação ao Novo. A tradição conservou outras listas dos livros apócrifos, nas quais constam um número maior ou menor de livros. A seguir, alguns desses escritos segundo suas categorias.

Evangelhos:

- de Maria Madalena
- de Tomé
- Filipe
- Árabe da Infância de Jesus
- do Pseudo-Tomé
- de Tiago
- Morte e Assunção de Maria
- Judas Iscariotes

Atos:

- de Pedro
- Tecla e Paulo
- Dos doze apóstolos
- de Pilatos

Epístolas:

- de Pilatos a Herodes
- de Pilatos a Tibério
- dos apóstolos
- de Pedro a Filipe
- Paulo aos Laodicenses
- Terceira epístola aos Coríntios
- de Aristeu

Apocalipses:

- de Tiago
- de João
- de Estevão
- de Pedro
- de Elias
- de Esdras
- de Baruc
- de Sofonias

Testamentos:

- de Abraão
- de Isaac
- de Jacó
- dos 12 Patriarcas
- de Moisés
- de Salomão
- de Jó

Outros:

- A filha de Pedro
- Descida de Cristo aos Infernos
- Declaração de José de Arimatéia
- Vida de Adão e Eva
- Jubileus
- 1,2 e 3 Henoque
- Salmos de Salomão
- Oráculos Sibilinos

E isso para citar alguns. Agora para responder à pergunta: que parâmetros eram usados para definir que um texto era inspirado?

A resposta é simples: o bom senso de quem fazia a seleção, o poder que ele exercia sobre os seguidores e a resposta dos seguidores.

Se a Igreja havia decidido que Jesus era uma manifestação da Divina Trindade, todos os textos que o mostrassem como um simples homem eram descartados. No evangelho de Judas por exemplo, Jesus ri dos apóstolos que prestam culto ao Deus dos Judeus, YHVH, dizendo que aquele não é o criador, e sim um demente responsável pela dor no mundo. Ainda em outros Jesus enquanto criança mata as pessoas apenas com a Palavra, ou ainda para justificar seu nascimento de uma virgem descrevem o parto em que a criança sai da orelha de Maria. Não nos cabe aqui decidir que por exemplo nascer de um ouvido é absurdo enquanto voltar da morte e andar por ai não é, mas esta é a idéia. Uma vez decidido, com base na crença estabelecida, quais as qualidades e características da fé, eram separados aqueles textos que pregassem contra a fé. Se num texto Jesus diz que a Igreja de Deus é o mundo e não um prédio feito de tijolos, os pais da igreja feita de tijolos o excluía, e por ai a fora. E, finalmente, a aceitação. Não adiantava chegar para um grupo de cristãos que havia sido criado com a idéia de que Cristo era apenas um homem e tentar forçar goela a baixo que ele era parte de uma trindade divina e assim uma manifestação de Deus, esse texto simplesmente não seria aceito. Como de fato não foi. E isso fazia com que o grupo que dizia que Jesus era Deus brigasse com o grupo que dizia que ele não era, e assim o grupo mais forte conseguia acabar com os documentos dos mais fracos (acusados de heresia) e muitas vezes com os próprios cristãos (e você achando que a igreja só caçava bruxas e pagãos).

19 - Mas a Bíblia é uma zona!
Sim, mas só se você parar para pensar a respeito.

Vamos tentar criar aqui duas linhas do tempo, a primeira a cultural que representa como a Bíblia teria sido desenvolvida de acordo com a história que ela mesma conta:

A Bíblia como a que você compra hoje em uma loja foi escrita por um período de 1500/1600 anos, por cerca de 40 pessoas diferentes com profissões, origens culturais e classes sociais diferentes. Para quase todos os Judeus e Cristãos ela é a Palavra de Deus, ou seja, muito mais do que simplesmente um livro.

Ela teria sido escrita da época de Moisés entre 1592 a.C. e 1472 a.C. aproximadamente, até o último livro, o Apocalipse de São João, datado de cerca de 96 d.C., tendo passado por um período sem registros inspirados por Deus, o "silêncio profético", que separou a época do Antigo Testamento (Judeus) do Novo Testamento (Cristãos), esse período foi de aproximadamente 400 anos.

Então lá pelo ano de 96 d.C. a Bíblia com textos de mais de 1600 anos de tradição estaria, em tese, pronta para circular.

Agora uma pausa para os cínicos de plantãos ou aqueles simplesmente confusos até agora. Nós estamos passando por uma revisão ortográfica que está definindo a nova regra da escrita da língua portuguesa. Um exemplo é a palavra Bem-Vindo sendo atualizada para Benvindo.

Se no ano de 2500 fossem realizar um estudo de capachos de portas para se publicar um desses livros de mesa eles teriam várias fotos de capachos dizendo SEJA BEM-VINDO anteriores a 2009 e várias fotos com capachos dizendo SEJA BENVINDO posteriores a esta data. Mesmo hoje em dia com a midia que temos e a pressão social de aceitar mudanças, podemos apostar que pelos próximos anos ainda serão produzidos capachos com os dizeres BEM-VINDO, ou seja a forma que o texto foi escrito no capacho não é indicativo de que ele date de antes de 2009 ou depois de 2009.

Vamos dizer que lá pelo ano de 2050 surjam os puristas que defendem que se as pessoas estudadas se reunem e decidem que BENVINDO é a melhor forma de se escrever algo então é porque deve ser seguido, pode se surgir uma lei do INMETRO que defina que os capachos só poderão chegar no mercado caso tenham a grafia correta do termo. Ai podemos chamar esta manifestação de o primeiro Concílio de BENVINDO.

Acontece que isso acaba influenciando os maiores centros comerciais, cidades afastadas ou fabricantes de capacho que não ligam para a lei podem continuar com a sua grafia errada e assim teríamos os primeiros hereges - sejam conscientes (eu não vou comprar uma máquina nova que imprima a palavra nova), sejam os inocentes (mudou a palavra? eu não sabia).

Agora temos que levar em conta também outro fator, os capachos que tinham a grafia BENVINDO antes da mudança da norma ortográfica, ou seja, aqueles que já estavam errados antes do errado virar certo.

Só ai já teríamos problemas, 400 anos depois, de datar um capacho, simplesmente pela grafia de uma palavra, ele poderia ser anterior à data do Concílio de BENVINDO, poderia ser posterior, poderia ser um erro mais antigo ou poderia ser um capacho com a escrita antiga "gambiarrado" para apresentar a nova sem ter que mudar as máquinas, com um M deformado e o espaço entre as palavras coberto por um desenhinho qualquer.

Como isso se aplica à Bíblia?

Só porque um texto foi tomado como correto no século VI d.C. não significa que ele já não existisse 1600 anos antes. Da mesma forma dois textos diferentes não querem dizer automaticamente manipulação maldosa. E um texto que só se tornou oficial em um ano X não era sem valor antes. E não quer dizer que a palavra e o conceito Bem-Vindo não existia antes da correção ortográfica.

Vamos ver então como fica a história da Bíblia em termos de registros históricos:

640 a.C - Data em que se criou uma unidade doutrinária necessária para o reconhecimento da lei escrita.

287 - 247 a.C. - Criação da Septuaginta

225 a.C. - Trecho bíblico mais antigo: passagem de um dos livros de Samuel.

100 a.C. - O texto mais antigo conhecido da Bíblia: Livro de Isaías

0-100 d.C. - Vetus Latina & suposta época da composição do Novo Testamento

90 d.C. - Concilio de Jâmnia decidiu quais os livros que fariam parte do cânon judaico (Antigo Testamento)

125 d.C. - Texto mais antigo do Novo Testamento: fragmentos do evangelho de João, incluindo a pergunta de Pilatos a Jesus: “Você é o rei dos judeus?”

325 d.C. - Canonização do Novo Testamento

404 d.C. - Jerônimo completa a Vulgata.

500-600 d.C. - Texto Massorético (Antigo Testamento)

500 d.C. - A Bíblia começa a ser traduzida para mais de 500 línguas diferentes.

600 d.C. - Cria-se a Lei que determina que a Bíblia apenas pode ser copiada e distribuída em Latim.

995 d.C. - Surgem novas traduções anglo saxônicas da Bíblia do Novo Testamento.

1384 d.C. - Wycliffe se torna a primeira pessoa a se criar uma versão completa da Bíblia em Inglês (era uma versão manuscrita).

1455 d.C. - Gutenberg cria a primeira Máquina de Impressão e a partir de então as bíblias podem ser produzidas em massa. Até então todas as versões eram manuscritas.

1560 d.C. - Bíblia de Genebra

1611 d.C. - Surgimento da versão da Bíblia do Rei James.

1753 d.C. - Primeira publicação de uma Bíblia em Português.

1844 d.C. - Sociedade Bíblica Internacional traduz a Bíblia para os últimos idiomas vivos que restavam.

1885 d.C. - Os livros considerados apócrifos são removidos das versões impressas das Bíblias Protestantes.

1898 d.C. - Os Gideões Internacionais levam a Bíblia para as prisões, escolas e favelas, hoje qualuqer quarto de hotel ou motel americano possui uma versão desta Bíblia.

1993 d.C. - Biblegateway.com é o primeiro site a colocar a Bíblia na internet com ferramenta de busca e diversas traduções sincronisadas.

20 - Mas existem muitas diferenças entre essas Bíblia?
Novamente a resposta é positiva, e não apenas entre as Bíblias, mas entre as Bíblias e os textos originais.

Tenha em mente que este texto não tem como objetivo julgar se a Bíblia é um livro sagrado ou uma arma de manipulação popular, e sim estudar fatos que estejam relacionados com ela.

Como já vimos, mesmo os textos em hebraico da torá possuem algumas diferenças, como no caso do pentateuco samaritano e outros que existiam. A que se devem estas diferenças? Não há como dizer.

Um grande ressentimento moderno contra a Igreja Católica afirma que todos foram causados como forma de garantir que a igreja tivesse poder e riquezas, e mesmo que este seja o caso em alguns momentos não existe como provar isso - não que houve ou não manipulação, mas que ela foi realizada com este ou aquele objetivo específico. Muitas pessoas dizem que a igreja adotou o celibato dos padres, por exemplo, como forma de impedir que eles tivessem família e assim suas posses acumuladas em vida retornassem à igreja. Será que isto é verdade? Se pensarmos que tanto o judaísmo quanto o cristianismo sempre possuíram grupos ascetas, que renunciavam a existência mundana em prol da vida espiritual, chegando a casos extremos como monges que se flagelavam, castrações e outras, podemos ver que muitos dos primeiros cristãos eram adeptos do celibato, e que quando a igreja foi fundada e o cristianismo foi adotado como religião oficial de Roma o celibato já era um costume que mesmo que não obrigatório, era muito comum, não apenas para aqueles que o pregavam, mas para aqueles que o tinham como religião pessoal. Então mesmo que afirmemos que a igreja tomou proveito disto não podemos afirmar com certeza que ela oficializou este hábito baseada na cobiça assim como não temos como negar que este hábito também foi muito lucrativo para ela.

Assim, não vamos apontar dedos para que diferenças foram criadas por que motivos, mas apontar algumas delas para mostrar que mesmo que a Bíblia seja tomada como um livro absoluto, os textos impressos em suas páginas não o são.

Vamos começar levantando algumas mudanças que já ocorreram nas origens de seus textos.

Originalmente foram utilizados três idiomas diferentes na escrita dos diversos livros da Bíblia: o hebraico, o grego e o aramaico. Em hebraico foi escrito todo o Antigo Testamento, com excepção dos livros chamados deuterocanônicos e de alguns capítulos do livro de Daniel, que foram redigidos em aramaico. Em grego, além dos já referidos livros deuterocanônicos do Antigo Testamento, foram escritos praticamente todos os livros do Novo Testamento. Segundo a tradição cristã, o Evangelho de Mateus teria sido primeiramente escrito em hebraico, visto que a forma de escrever visava alcançar os judeus.

O hebraico utilizado na Bíblia não é todo igual. Encontramos em alguns livros o hebraico clássico (por ex. livros de Samuel e Reis), em outros um hebraico mais rudimentar e em outros ainda, nomeadamente os últimos a serem escritos, um hebraico elaborado, com termos novos e influência de outras línguas circunvizinhas. O grego do Novo Testamento, apesar das diferenças de estilo entre os livros, corresponde ao chamado grego koiné (isto é, o grego "comum" ou "vulgar", por oposição ao grego clássico), o segundo idioma mais falado no Império Romano.

Precisamos então nos lembrar de que a Torá foi traduzida do hebraico (as diferentes formas de hebraico que foram compiladas por séculos) para o grego na criação da Septuaginta, termos primitivos, rebuscados, simples e de uso diário foram passados para uma forma corrente de grego, um mesmo estilo de grego do princípio ao fim e então essa versão assim como a hebraica foram traduzidas para o latim da Vetus Latina. Com Jerônimo a Septuaginta é deixada de lado e ele pega todos os textos antigos - com suas variantes linguísticas - e são novamentes traduzidas para um latim de um único estilo, mas isso não fez com que as versões da Vetus Latina fossem recolhidas do mercado, elas existiam de forma paralela e quando o cristianismo se espalha surgem novas traduções para línguas locais, essas traduções não vinham de um único documento oficial, mas dos textos que cada um tinha a mão. Então enquanto uma versão Romena pudesse vir do Latim de Jerônimo, uma versão alemã poderia vir do grego da Septuaginta e um texto espanhol ter vindo de um dos muitos livros da Vetus.

Embora a mensagem geral destes textos fossem a mesma muitas coisas surgiam, eram adaptadas ou simplesmente mudavam.

Vejam um exemplo: pegando-se o texto da Tanakh de Oséias que usamos na questão quatro:

Oséias 8:12: "Se tivesse escrito a maioria de minha Torá, [Israel] seria contado igual a estranhos"

Vamos comparar com uma tradução atual da versão Almeida da Bíblia Corrigida e Revisada Fiel de 1994:

Oséias 8:12: "Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha"

Com a versão da Sociedade Bíblica Britânica:

Oséias 8:12: "Embora eu lhe escreva a minha lei em miríades de preceitos, estes são tidos como coisa estranha"

Dentre as versões cristãs não existe muita diferença no significado, mas veja a diferença entre a passagem judaica e a passagem cristã. Numa o recado é para o povo escolhido, na outra o recado é para todos os não cristãos, independentes da origem do cristão em questão. Não há porque segregar o conhecimento apenas aos judeus, mas ele deve ser aberto aos que acreditam e aos que não acreditam.

Qual das duas versões você acha que deve ser mantida hoje? E quando for pensar nisso, pense que esta é a Palavra de Deus, e por isso deveria ser passada adiante de forma mais fiel o possível.

Outro caso que acontece não é apenas mudar o público alvo de determinada passagem, mas de se criar novas figuras na história. Vamos prestar atenção em uma que talvez tenha se tornado a mais célebre de todas: o diabo!

O Diabo se tornou, acidentalmente ou não, uma das figuras centrais da religião hoje em dia, mas ele não esteve sempre presente na Bíblia.

Um dos nomes atribuídos ao diabo é Lúcifer, mas este nome não existe nos textos originais. A primeira vez que este nome é citado é no livro de Isaías quando Deus protege seu povo destruindo o orgulho de seu inimigo. Em Isaías 14:13 surge a frase: "Como caíste do céu, ó Lúcifer, filho da alva!". No original a expressão utilizada não era o nome Lúcifer e sim helel bem shahar, que significa aquele que brilha. Quando traduziram esta passagem para o grego o termo foi traduzido por um que era conhecido dos gregos eosphorus e então para o latim Lucifer. Agora Lucifer era a tradução literal para "aquele que brilha" - lux, lucis = luz; ferre = carregar - o portador da luz. Ao mesmo tempo era como era conhecido o planeta Vênus, a estrela da manhã, que brilhava em pleno dia. Desta forma, apenas por causa de traduções o termo helel - aquele que brilha - se torna eosphorus grego - o portador do archote - pois era o termo mais próximo de aquele que brilha, e então para Lucifer em latim que era o termo mais próximo nesta linguagem, só que lúcifer é o nome da estrela da manhã, Vênus, a estrela da alvorada.

Entretanto o nome de "Estrela d'alva", ou Lúcifer, foi interpretado como sendo o nome de Satanás antes de sua queda do Paraíso. Segundo esta interpretação Lúcifer e seus anjos caíram por sua própria escolha, o motivo teria sido o orgulho, representado pela tentativa de se equipararem a Deus. Desejavam colocar sua própria vontade no lugar da vontade de Deus. E isto era considerado como a base do pecado em todos os níveis. Aos poucos, estas idéias começaram a se transformar na base dos ensinamentos tradicionais sobre o Diabo.

Mas se este trecho não fala do Diabo, fala do que? De acordo com os textos originais podemos supor que trata-se de uma interpretação errônea do seguinte trecho de Isaías que fala da "morte do rei da Babilônia" Nabucodonosor (Nebukadneççar em hebraico), que recebeu a maldição suprema da privação da sepultura:

«Como caíste do céu,
ó estrela dálva, filho da aurora!
Como foste atirado à terra,
vencedor da nações!
E, no entanto, dizias no teu coração:
'Hei de subir até o céu,
acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono,
estabelecer-me-ei na montanha da Assembléia,
nos confins do norte.
Subirei acima das nuvens, tornar-me-ei semelhante ao Altíssimo.'
E, contudo foste precipitado ao Xeol,
nas profundezas do abismo".
Os que te vêem fitam os olhos em ti,
e te observam com toda atenção, perguntando:
"Porventura é este o homem que fazia tremer a terra,
que abalava reinos?"»
(Isaías 14, 12-15)

Isaías compara a queda do rei Nabucodonosor à Lúcifer! A queda do rei seria semelhante à queda da estrela da manhã - planeta Vênus no céu - ou seja, uma queda muito rápida.

E assim o diabo ganha o nome de Estrela da Manhã e Lúcifer, o que é irônico se pensarmos que este nome também é dado para Jesus no Apocalipse de São João 22:16: " Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas a favor das igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã."

O mesmo podemos dizer sobre o nome Satã. Satã surge nos textos hebraicos originais como um adjetivo e não como um nome. Satã significa Adversário, mas não necessariamente o Adversário de Deus. Por exemplo a passagem 1Samuel 29:4, sobre o que pedem os príncipes filisteus a Davi, surge em algumas versões da Bíblia como: "Não se volte contra nós no combate", mas no texto hebraico original está "Não se torne satã (inimigo) nosso no combate". Davi aplica o termo satã aos homens que se opõem à vontade de Deus tentando o rei para que mate o benjaminita que o injuriou. Satã significa a oposição humana a Deus.

Outro exemplo é o livro de Jó 1:6, que se refere a um dos filhos de Deus que se apresenta diante do trono. O nome que lhe é dado é Satã. O nome comum representa o cargo de acusar e também a adversidade, a inimizade, a oposição que é permitida ou sancionada por Deus.

O próprio termo Diabo surge de uma tradução. O Livro da Sabedoria foi escrito em grego e não temos como saber qual seria a palavra escolhida pelo autor se o tivesse escrito em hebraico. O autor utiliza a palavra grega diábolos, termo usado na Septuaginta como tradução da palavra hebraica Satã: "É por inveja do Diabo que a morte entrou no mundo" (Sb 2,24). Assim, no Antigo Testamento Satã não representa um ser que possamos considerar um demônio no sentido cultural cristão de um ser sobre-humano e perverso. O nome Satã, ou Satanás, no Antigo Testamento personifica a inimizade, dificuldade, contradição. A palavra satã, na sua forma verbal, stn em hebraico, aparece seis vezes no Antigo Testamento (Zc 3,1; Sl 38,21; Sl 71,13; Sl 109,4; Sl 120,29). Poderia ser traduzida por "satanizar". A Septuaginta geralmente traduz o verbo stn por endiabállo, em grego; caluniar nas línguas vernáculas (e o substantivo satã, a Septuaginta geralmente o traduz por diábolos, que significa caluniador). A Bíblia de Jerusalém geralmente traduz por acusar. E por causa dessas traduções se cria uma figura Mitológica do demônio. Hoje é praticamente impossível se separar o Maligno do cristianismo, os protestantes são a prova viva disso. E agora essas traduções ajudam a incorporar novas culturas e não apenas demônios mas encostos atormentam aqueles que escolhem trilhar o caminho apontado por Cristo. Para não nos estendermos muito mais neste assunto vamos dar mais dois exemplos rápidos de como uma tradução pode mudar um texto original, seja de maneira sutil e inofensiva ou de uma forma mais agressiva. Em Mateus 3:4 lemos que Jesus afirmou que: "E, outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus." Apenas neste trecho encontramos dois problemas com tradutores do grego para outras línguas. Apesar de ser uma mensagem clara de que a humildade é o caminho que leva a Deus e não a cobiça esta passagem ficou muito exagerada. Por um lado temos a palavra camelo. Além do animal existia outro camelo que os gregos conheciam, que era uma corda utilizada por pescadores muito grossa. Assim poderíamos entender que é mais fácil se passar uma corda grossa por um buraco de agulha do que um rico entrar nos céus. Apesar de ser uma idéia que de cara exclui automaticamente os ricos, sejam quem forem ou seja lá qual foi o método de se conseguir suas riquezas entrar no céu, fica uma metáfora menos exagerada. Agora temos que ter em mente que muitos patriarcas tiveram muitos bens, assim como reis e juízes, e eles com certeza devem ter entrado no céu, um exemplo é Abrahão. Mesmo das pessoas que conviviam com Cristo haviam aquelas ricas, o próprio José de Arimatéia, que cedeu a tumba onde Cristo ressuscitou era rico e apenas se imaginarmos que mesmo tendo vivido com Cristo, respeitado tanto o Homem quanto sua mensagem ele foi deixado para fora do reino dos céus temos que concluir que essa passagem é muito extrema. Jesus estaria dizendo que a riqueza é um grande mal, não importa de onde ela veio? Podemos responder isso com o segundo problema de tradução, a palavra agulha. A agulha é o nome dado às pequenas portas das cidades fortificadas para passagem dos animais das caravanas, utilizadas à noite apois o toque de recolher. Eram também utilizadas nos tempos de guerra, através das quais podia-se fazer o transporte de armas e comida. Essas agulhas são muito presentes ainda hoje nas muralhas da cidade antiga de Jerusalém. Camelos com carga eram proibidos de passar por essas portinholas para evitar comercio e barulho durante o sono dos cidadãos. Além disso existe outro costume interessante, pelas portas principais das cidades eram comum que se passassem em sua maioria os mais bem quistos, ilustres e visitantes nobres. Pela agulha passavam os trabalhadores, o proletariado e os mercadores. Era como o elevador social e o elevador de serviço nos prédios hoje em dia. Além disso, mesmo durante o dia era realmente difícil se passar um camelo por elas. Era necessário bater no camelo e fazê-lo abaixar e na maioria dos casos, tirar a carga dele para passá-lo. Os camelos de grande porte, raramente passavam. Mas mesmo assim alguns passavam. Desta forma temos dois fatores culturais, a corda dos pescadores - camelo - e as portinholas nos muros - agulhas - que deveriam ser levadas em conta no momento de se traduzir um texto como este. A idéia de um animal passando por um buraco de agulha nos mostra que Jesus disse que ninguém rico entraria no reinos dos Céus. Isso poderia ser usado para mostrar que uma pessoa que aceite Deus deve se livrar de seus bens materiais. Já uma tradução que levasse em conta os costumes gregos e judaicos poderia levar em conta que a riqueza não é o que impede alguém de entrar no reino dos céus, mas aquilo que foi o motivo da riqueza - o trabalho ou a cobiça? Por si só, a tradução deste trecho tem uma tradução que muda de forma sutil um conceito que pode por um efeito de bola de neve se mudar a mensagem original. Outro caso interessante de tradução é a famosa passagem da crucificação em que Jesus pergunta a Deus porque foi abandonado. Em Mateus 27:45 e em Marcos 15:34 está registrado que depois de crucificado, Jesus, quando se aproximava a nona hora bradou/exclamou em voz alta: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" Esta é uma exclamação curiosa que confunde várias pessoas. Como Jesus na cruz poderia ter sido abandonado por Deus. Algumas pessoas dizem que neste momento Cristo não estava perguntando a Deus porque havia sido abandonado e sim estava recitando os salmos, já que o Salmo 22:1 - Salmo de Davi para o músico-mor, sobre Aijelete Hashahar - se inicia com a frase: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?" Este é um caso interessante da Bíblia, já que o Novo Testamento foi escrito quase todo em grego, mas contém palavras e frases que foram transliteradas do hebraico diretamente para o grego. Então a palavra שבקתני é transliterada para σαβαχθανι. Assim em Mateus temos: "Eli! Eli! lamma sabachthani" e em Marcos: "Eloi! Eloi! lamma sabachthani”. Em ambos os casos a palavra sabachthani tem o significado de abandonastes. Agora eis o caso que surge quando olhamos para algumas outras bíblias, como a versão espanhola de Casiodoro de Reina, de 1569 impressa na América onde a palavra que Jesus usa é sabachtani e não sabachthani. Antes de prosseguir vamos nos lembrar do Texto Massorético e sua importância. O alfabeto hebraico não possiu vogais. Por isso a letra Beth pode ter as cinco pronúncias Ba, Be, Bi, Bo e Bu dependendo da palavra em que encontra. É como se em português a palavra "Belo" fosse escrita Bl, apenas o B e o L. Se a pessoa está escrevendo sobre uma pessoa e lemos que a achavam Bl podemos deduzir que ela era considerada bela, mas e se pegamos apenas Bl e deixamos escrita no meio de uma folha de papel? Está escrito ali Belo, Bela, Bala, Balé, Bolo, Bula, etc? Não temos como saber. Por isso foram criados os sinais massoréricos, eram sinais utilizados pelos massoretas para saber se a letra B tinha som de Ba ou de Be. Os sinais massoréticos são uma série de pontos e traços que podem estar embaixo, no meio ou em cima de cada letra e o objetivo era registrar uma palavra da forma que havia sido pronunciada. Só ai temos um problema novamente, isso faz com que tradições antigas dependam da tradição oral. Imagine agora a seguinte cena, um patriarca recebe de Deus a mensagem de que devemos nos amar uns aos outros. Essa tradição vai sendo transmitida oralmente, até o momento em que a colocam no papel, usando um alfabeto onde não existem diferenças claras entre a pronúncia das palavras. Agora imagine que dois judeus, um que conhece a tradição e outro que não conhece recebam a tarefa de pintar nos muros a mensagem de Deus, e dão para cada um uma parte da cidade para que espalhem o recado. Um deles pega seu balde e tinta e sai escrevendo nos muros: Deus mandou que nos amássemos uns aos outros. O outro escreve nos muros: Deus mandou que nos amassemos uns aos outros. Você percebe a diferença que as duas mensagens possuem? De um lado da cidade as pessoas declarariam o amor, do outro sairiam se amassando. E ai voltamos ao trecho da crucificação. Jesus dá o seu brado, estava cercado por Judeus, eles levam o recado adiante e o transmitem. Apesar dos evangelhos terem sido escritos originalmente em grego os termos eram judeus, tanto que as palavras de Cristo vem escritas no original e então lhe oferecem a tradução. Acontece que os manuscritos gregos trazem a transcrição: "Li’Li LMH ShBHhTh-NI", ou seja “sabachthani”, que tem como tradução "glorificas", e não "abandonastes". E assim por um erro mínimo, a compreensão da pronuncia de uma palavra ao invés do brado "Deus! Deus! O quanto me glorificas!" temos "Deus! Deus! Por que me abandonastes?". Pensando nos dois brados, qual parece o mais lógico por ter sido dado por Jesus, que sabia que seria crucificado, que sabia que Judas o delataria, que pediu para Judas na última ceia para ir fazer o que devia, que quando surgiram os soldados romanos procurando por Cristo se adiantou a todos e disse "Sou eu!" mesmo antes de ter sido apontado por Judas, que quando teve várias chances de evitar seu destino na frente de cada juiz e governante romano que o interrogou permaneceu calado? Bem a realidade nem sempre segue o que julgamos ser lógico, mas temos ai outro exemplo de como uma simples tradução pode influenciar um texto que deveria ser um registro exato criando sentidos tão diferentes para uma mesma passagem. 21 - Mas não existe hoje uma Bíblia que seja aceita como a mais fiel aos textos originais, tipo uma Bíblia aceita por todos como a mais correta?
Não, a palavra de Deus recebeu várias versões durante a sua publicação e não apenas isso diferentes grupos tem diferentes Bíblias oficiais.

Para se ter uma idéia a igreja primitiva, formada pelos primeiros seguidores da mensagem de Cristo começou a apresentar mudanças na crença original desde o século V. Nos dias de hoje existem dezenas, se não centenas, de variações do cristianismo e cada um com diferenças fundamentais entre si.

Vamos olhar a uma breve linha do tempo da igreja para entender um pouco essas variantes. Com o Concílio de Efeso em 431 uma vertente se solidifica, os Noestorianos, que entre outras coisas acreditavam que Cristo era formado por duas pessoas distintas, uma humana e outra divina, dois entes completos e independentes. Essa doutrina surgiu na Antióquia e influenciou a Síria, ela foi proposta pelo monge Nestório por causa das disputas cristológicas que surgiram nos séculos III, IV e V. No Concílio de Éfeso criou-se uma disputa centrada fundamentalmente em torno do título com o qual se devia referir a Maria, se somente cristotokos (mãe de Cristo, a dizer, de Jesus humano e mortal), como defendiam os nestorianos, ou de theotokos (mãe de Deus, ou seja, também do Logos divino), como defendiam os partidários de Cirilo. Resolveu-se adotar como verdade de fé a doutrina proposta por Cirilo, concedendo a Maria o título de Mãe de Deus, e os nestorianos foram considerados hereges.

Até hoje é possível encontrar nestorianos, que se propagaram pela Ásia Central, chegando até a China, e durante algum tempo influenciaram os mongóis. Atualmente subsistem as igrejas nestorianas (conhecidas, de uma forma geral, como Igreja Assíria do Oriente) na Índia e no Iraque, Irã, China e nos Estados Unidos, além de alguns outros lugares onde haja migrado comunidades cristãs dos países citados. A Igreja Assíria do Oriente teve um papel fundamental na conservação de antigos textos gregos que foram traduzidos para o siríaco (um ramo do arameu). Mais tarde foram traduzidos para o árabe e no século XIII para o latim. Além da Igreja Assíria do Oriente, existem atualmente várias denominações cristãs que são também fortemente influenciadas pelo nestorianismo. Exemplos destas denominações, que foram fundadas muito após a Igreja Assíria, são os anabatistas, os cristadelfianos e os rosacrucianos.

Em 451 com o Concílio de Calcedônia surgiram as Igrejas não-calcedonianas - também conhecidas como antigas Igrejas orientais. Elas surgiram por se recusarar a aceitar a doutrina das "duas naturezas de Cristo", decretada pelo Concílio de Calcedônia e aceitada pelos católicos e ortodoxos. São acusadas de serem monofisitas - pelo fato de não aceitarem a doutrina das "duas naturezas de Cristo" (ou união hipostática), decretada pelo Concílio de Calcedônia (451) - apesar de se recusarem a aceitar esta classificação se descrevendo como miafisitas. Isto porque as Igrejas não-calcedonianas também acham que o monofisismo é herética.

Para equilibrar as doutrinas antitéticas do monofisismo e da união hipostática (ambas também não aceites pelos ortodoxos orientais), estas Igrejas defendem que em Jesus há a parte humana e a parte divina, mas que estas duas partes se unem para formar uma única e unificada Natureza de Cristo. Eles acreditam que uma união completa e natural das Naturezas Divina e Humana em uma só Natureza é autoevidente, de maneira a alcançar a salvação divina da humanidade, em oposição à crença na união hipostática (onde as Naturezas Humana e Divina não estão misturadas, porém também não estão separadas), promovida pelas atuais Igrejas Católica e Ortodoxa e esta crença defendida pelos não-calcedonianos chama-se miafisismo.

Atualmente, existe cerca de 79 milhões de ortodoxos não-calcedonianos que são organizados em seis Igrejas nacionais autocéfalas e em várias Igrejas autónomas associadas às Igrejas autocéfalas:

- Igreja Apostólica Armênia;
- Igreja Ortodoxa Síria;
- Igreja Ortodoxa Copta ou Alexandrina (egípcia ou etíope);
- Igreja Ortodoxa Etíope;
- Igreja Ortodoxa Indiana;
- Igreja Ortodoxa Eritréia

Apesar de serem autocéfalas, isto é, independentes umas das outras, estas Igrejas estão ainda em comunhão total entre si, partilhando as mesmas crenças e doutrinas cristãs.

No século XI acontece aquilo que ficou conhecido como o Grande Cisma do Oriente, que causou a separação entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Católica Ortodoxa.

As tensões entre as duas igrejas datam no mínimo da divisão do Império Romano em oriental e ocidental e a transferência da capital da cidade de Roma para Constantinopla no século IV.

Uma diferença crescente de pontos de vista entre as duas igrejas foi causada pela ocupação do oeste pelos invasores bárbaros, enquanto o leste permaneceu herdeiro do mundo clássico. Enquanto a cultura ocidental se foi paulatinamente transformando pela influência de povos como os germanos, o Oriente permaneceu desde sempre ligado à tradição da cristandade helenística. Era a chamada Igreja de tradição e rito grego. Isto foi exacerbado quando os papas passaram a apoiar o Sacro Império Romano no oeste, em detrimento do Império Bizantino no leste, especialmente no tempo de Carlos Magno. Havia também disputas doutrinárias e acordos sobre a natureza da autoridade papal.

A Igreja de Constantinopla respeitou a posição de Roma como a capital original do império, além disso existia a oposição do Ocidente em relação ao cesaropapismo bizantino, isto é, a subordinação da Igreja oriental a um chefe secular, como acontecia na Igreja de Bizâncio.

Uma ruptura grave ocorreu de 456 a 867, tocada pelo patriarca Fócio que sabia que contribuía para aumentar o distanciamento entre gregos e latinos e usou a questão do filioque - uma expressão latina que significa "e do Filho", que foi acrescentada pela Igreja Católica Romana ao credo para explicitar que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho enquanto a Igreja Ortodoxa entende que o Espírito Santo procedeu apenas do Pai - como ponto de discórdia, condenando a sua inclusão no Credo da Cristandade ocidental e lançou contra ela a acusação de heresia. Além disso ela desconsidera a liderança papal.

Aqui vai uma lista das jurisdições que formam a Igreja Ortodoxa:

- Patriarcado de Constantinopla
- Patriarcado de Alexandria
- Patriarcado de Antioquia
- Patriarcado de Jerusalém
- Patriarcado de Moscou
- Patriarcado da Geórgia
- Patriarcado da Sérvia
- Patriarcado da Roménia
- Patriarcado da Bulgária
- Igreja Ortodoxa de Chipre
- Igreja Ortodoxa Grega
- Igreja da Albânia
- Igreja da Sérvia
- Igreja Ortodoxa da Polónia
- Igreja das terras Checo-eslovacas
- Igreja Ortodoxa na América
- Igreja do Sinai
- Igreja da Finlândia
- Igreja da Ucrânia
- Igreja do Japão
- Igreja da China
- Igreja de Portugal

Já no século XVI acontece a Reforma Protestante, um movimento reformista cristão iniciado no século XVI por Martinho Lutero, que, através da publicação de suas 95 teses, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica, propondo uma reforma no catolicismo. Os princípios fundamentais da Reforma Protestante são conhecidos como os Cinco Solas:

1 - Sola fide: conhecida como Doutrina da justificação pela Fé, que afirma que é exclusivamente baseado na Graça de Deus, através somente da fé daquele que crê, por causa da obra redentora do Senhor Jesus Cristo, que são perdoadas as transgressões da Lei de Deus.

2 - Sola scriptura: significa "somente a escritur", é o principio no qual a Bíblia tem primazia ante a Tradição legada pelo magistério quando os princípios doutrinários entre estas e aquelas forem conflitantes. Na Reforma, não se rejeita a Tradição, ela continua a ser usada como legitimadora para qualquer assunto omitido pela Bíblia.

3 - Solus Christus: a "salvação somente por Cristo". Os protestantes caracterizavam os dogmas relativo ao Papa como representante de Cristo e chefe da Igreja sobre a terra, o conceito de mérito por obras e a idéia católica de um tesouro vindouro por causa das boas obras como uma negação de que Cristo é o único mediador entre Deus e os homens.

4 - Sola gratia: "Somente a Graça". A doutrina da salvação da Igreja Católica Romana seria uma mistura de confiança na graça de Deus e confiança no mérito de suas próprias obras, já a posição reformada é a de que a salvação é inteiramente condicionada a ação da graça de Deus, ou seja, só a graça através da regeneração unicamente promovida pelo Espírito Santo, em conjuto com a obra redentora de Jesus Cristo.

5 - Soli Deo gloria: "Glória somente a Deus", é o princípio segundo o qual toda a glória é devida a Deus por si só, uma vez que salvação é efetuada exclusivamente através de sua vontade e ação. Não só o dom da expiação de Jesus na cruz, mas também o dom da fé, criada no coração do crente pelo Espírito Santo. Os reformadores acreditavam que os seres humanos - mesmo santos canonizados pela Igreja Católica Romana, os papas, e as autoridades eclesiástica - não eram dignos da glória que lhes foi atribuída.

Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus provocando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, e estendendo-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria. A resposta da Igreja Católica Romana foi o movimento conhecido como Contra-Reforma ou Reforma Católica, iniciada no Concílio de Trento.

O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre os católicos romanos e os reformados ou protestantes, originando o Protestantismo.

Foi por causa da reforma que surgiram outros grupos como:

- Os Anabatistas
- Pentecostais
- Adventistas
- Batistas
- Calvinistas
- Presbiterianos
- Congregacionalistas
- Puritanos Separatistas
- Metodistas
- Luteranos
- Pietistas
- Anglicanos

E cada uma com uma visão próprio da Mensagem de Deus e a meneira de utilizá-la. Por exemplo para os católicos a Bíblia é a fonte de fé, mas devia ser interpretada pelos padres da Igreja, a tradição Católica também é uma fonte de fé, assim como o Magistério da Igreja. Para os Calvinistas a Bíblia é a única fonte de fé e deve ser examinada por qualquer um livremente. Já para os Anglicanos a Bíblia é a fonte principal de fé mas deve ser interpretada pela Igreja (tradição) e então ela pode ser examinada livremente.

Além desses grupos principais cristãos durante a história surgiram outros grupos cristãos também:

Os Restauracionistas: que usam doutrinas surgidas após a Reforma Protestante cujas bases derrogam as de todas as outras tradições cristãs, basicamente tendo como ponto em comum apenas a crença em Jesus Cristo. A maioria deles não se considera propriamente "protestante" ou "evangélico" por possuirem grandes divergências teológicas. Nesta categoria estão enquadradas a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, a Igreja Adventista do Sétimo Dia e as Testemunhas de Jeová, entre outras denominações. Quanto às Testemunhas de Jeová, embora afirmem ser cristãs, também não se consideram parte do protestantismo. As Testemunhas aceitam a Jesus como criatura, de natureza divina, seu líder e resgatador, rejeitando, no entanto a crença na Trindade e ensinando que Cristo é o filho do único Deus, Jeová, não crendo que Jesus é Deus.

O Cristianismo esotérico: que é a parte mística do cristianismo, e compreende as escolas cristãs de mistérios e sincretismo religioso. A este ramo pertence o Gnosticismo que é uma crença com raízes antecedentes ao próprio cristianismo e que tem características da ciência egípcia e da filosofia grega. O Rosacrucianismo também se enquadra nessa vertente sendo uma ciência oculta cristã que ressalta as boas ações por meio da fraternidade.

O Espiritismo: que algumas vezes é contestado como sendo uma vertente do cristianismo. Os espíritas não acreditam que uma pessoa ou ser, como Jesus Cristo, pode redimir "os pecados" de uma outra, contudo para a maior parte dos adeptos do espiritismo a obra de Allan Kardec constitui uma nova forma de cristianismo, ou então um resgate do cristianismo primitivo, que não inclui os dogmas adicionados pela Igreja Católica em seus diversos Concílios. Inclusive, um dos seus livros fundantes é denominado de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Esse livro apresenta uma reinterpretação de aspectos da filosofia e moral cristã, crendo em parte na Bíblia Sagrada.

O Rastafarianismo: também conhecido como movimento rastafári ou Rastafar-I (rastafarai) é um movimento religioso que surgiu na Jamaica entre a classe trabalhadora e camponeses negros em meados dos anos 20, iniciado por uma interpretação da profecia bíblica.

Como vimos cada um desses grupos, apesar de terem crenças cristãs em comum, possuem muitas divergências em crenças fundamentais, como a natureza de Cristo, o poder dado por Cristo a seus apóstolos, a fundação de uma igreja, etc... e isso acaba afetando a maneira como interpretam a Bíblia, os livros da Bíblia que são aceitos como realmente inspirados por Deus e a maneira como passam a Bíblia adiante.

E isso chega a afetar inclusive os textos de livros da Bíblia que são aceitos por todos. Para se ter idéia, alguns grupos acreditam que a Bíblia deveria ser não apenas passada a diante, mas ser atualizada com termos novos e atuais, um bom exemplo disso é a Bíblia Viva, editada no Brasil pela Editora Mundo Cristão. Ela foi considerada uma das traduções mais bem sucedidas do século XX pela revista Christianity Today. Kenneth N. Taylor ao invés de traduzir palavra por palavra resolveu traduzir "conceito por conceito". Para ele não fazia sentido um texto como: "A criança de peito brincará sobre a toca da áspide e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco" e assim temo o trecho hoje nesta Bíblia como: "Criancinhas brincarão perto de cobras e não serão picadas, mesmo que enfiem a mão nas suas covas".

Assim, mesma a Vulgata de Jerônimo, que já buscava unificar os textos sagrados, acaba sendo traduzida e adaptada para termos correntes e locais, assim em 500 d.C. já haviam mais de 500 traduções diferentes. E lembre-se ainda das versões da Vetus Latina e da Septuaginta que surgiam e eram usadas.

Assim cada grupo novo que surgia não apenas encorajava mudanças nos textos aceitos - os católicos tem em sua versão da Bíblia os Deuterocanônicos, os protestantes não, os gnósticos usam os textos apócrifos, alguns grupos, mesmo Cristãos, rejeitam o Novo Testamento, outros rejeitam o antigo Testamento já que Cristo veio trazer uma nova aliança e a antiga não era mais necessária.

Para se ter uma idéia do quanto essas traduções afetaram a Bíblia, Thomas Linacre depois de ler os evangelhos em grego e os comparar com a versão da Vulgata em 1490, disse: Ou isto (o texto grego original) não é o Evangelho... ou nós não somos cristãos. Mostrando a corrupção das traduções para o Latim. De novo, isso não se devia exatamente a um plano da igreja de manipular a Bíblia, mas à maneira com que a Bíblia atravessava as eras. Quando os antigos copistas reproduziam os livros, reescreveendo-os integralmente à mão eles deixavam notas de rodapé sempre que percebiam que haviam cometido algum erro, principalmente no caso de terem omitido uma palavra ou mesmo uma linha do texto original. Quando escribas de um período posterior começavam a copiar essas cópias muitas vezes deixavam essas notas de rodapé de lado, não corrigiam o texto do livro (seria um pecado enorme um mero copista incluir em uma reprodução algum texto que não estivesse no original) e também deixavam de lado as notas que apontavam os erros que eram percebidos durante o processo de reprodução.

A primeira versão em inglês da Bíblia foi feita por John Wycliffe em 1380, ele era um professor de Oxford, um estudioso e teólogo. Wycliffe era conhecido também por se opor aos ensinamentos da igreja, os quais ele acreditava serem exatamente o oposto daqueles pregados pela Bíblia. Com a ajuda de seus seguidores, chamados de Lollardes, e de seu assitente Purvey, associados a inúmeros copistas ele conseguiu produzir dúzias do manuscrito em inglês. Eles foram traduzidos direto das Vulgatas em latim, que era a única fonte da Bíblia disponível na época. O Papa ficou tão furioso com essa ousadia que 44 anos após a morte de Wycliffe mandou desenterrar seus ossos, esmagá-los, então moê-los para atirar o que restasse deles no rio.

Ainda no século XV surge uma versão Hussita da Bíblia e em 1478 uma versão em catalã escrita com o dialeto de Valência. Todas elas versões proibidas pela igreja católica.

Em 1496 John Colet decide traduzir partes do Novo Testamento do Grego para o inglês para repassá-lo a seus alunos e mais tarde para os freqüentadores da Catedral de São Paulo em Londres. Nesta época as pessoas tinham tamanha ânsia em ouvir a Palavra do Senhor em sua língua nativa – já que eram muito poucos os que entendiam Latim – que em seis meses o público que entrava na Igreja para ouvir a missa ultrapassava as 20.000 pessoas e um número igual se acotovelava do lado de fora tentando entrar, comparando com os dias de hoje apenas 200 pessoas costumam estar na igreja presente para o culto e a grande maioria é composta por turistas.

Em 1516 a Froben Press publicou uma versão em grego do Novo Testamento editado por Desiderius Erasmus, que reconstruiu o texto grego recombinando vários manuscritos bizantinos com traduções do texto da Vulgata, do latim para o grego novamente, quando os textos que tinha em mãos não estavam completos. Essa sua versão da Bíblia possuiu 4 edições. Texto extraído da Internet, postado por Obito para o movimento Jesus Freak, com alterações.

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