HISTÓRIA DO CASAMENTO – UMA INVENÇÃO CRISTÃ
1. Casamento na Antiguidade
Desde o início da vida humana já existia o casamento, embora como fato natural, a família o tenha precedido, formado que foi pelo impulso biológico que originalmente uniam o homem e a mulher.
Vínculos afetivos não são prerrogativas da espécie humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie seja pela verdadeira aversão à solidão. Tanto que se tem por natural a ideia de que a felicidade só pode ser encontrada a dois, como se existisse um setor da felicidade ao qual o sujeito sozinho não tem acesso.
Registra Carlos Celso Orcesi da Costa (1987, p.5) que:
Nos primórdios dos tempos, o ser humano, destituído de inteligência, como qualquer outro animal, relacionava-se entre si apenas mediante o instituto que o encaminhava à procriação e a preservação da espécie. Através de comandos instintivos o casal se encontra apenas no momento da procriação, atraído pelo instinto, quase sempre em determinada estação do ano.
É certo que a união do homem e da mulher não tem apenas essa finalidade, visa também à constituição da família, ao complemento sentimental, ao companheirismo, enfim, à busca de valores inatos ao ser humano, daí porque os dois se unem e seguem juntos, compartilhando alegrias e repartindo tristezas.
Na antiguidade o casamento tinha finalidade social e política. O desenvolvimento lento da agricultura e da pecuária foi compondo os clãs, que eram constituídos de famílias que foram se fixando nas terras em definitivo. Essas ocupações produziram agregações em outras tribos, em decorrência, principalmente, das uniões matrimoniais, formando-se assim uma comunidade política, onde a autoridade era paterna.
A definição de família se baseava no matrimônio e no patrimônio, em favor da segurança social e política e em detrimento do afeto, como afirma Claudete Carvalho Canezin (2006,p.6): “O casamento sempre representou na história da humanidade um componente de socialização, voltado aos interesses da sobrevivência econômica e política”.
Para os babilônicos o casamento era um contrato realizado entre o futuro marido e seus pais com os pais da futura esposa. Consistia na entrega de uma quantia em dinheiro, marcando assim o inicio de uma parceria, a primeira fase da realização do matrimônio.
O contrato era indispensável para a validade desse casamento. Se um homem tomou uma esposa e não redigiu seu contrato, essa mulher não é sua esposa. As cerimônias religiosas do casamento estavam desprovidas de caráter jurídico.
Já no Egito, inicialmente, o casamento era monogâmico e religioso, onde somente o faraó podia ter várias esposas. A aprovação dos pais era condição obrigatória para a realização do matrimônio, que só se completava com a troca de presentes entre as famílias.
Após a unificação do Alto Egito, passou-se a exigir o consentimento dos esposos e também um contrato. Prevalece o princípio da igualdade dos cônjuges, tendo a mulher plena capacidade, inclusive de dispor de seus próprios bens. O divórcio só era permitido para os casos de adultério feminino ou esterilidade.
A mulher judia também não era totalmente submissa, pois o casamento dependia de sua aceitação quando fosse maior de idade. As esposas legítimas tinham igualdade de direitos, diferente das concubinas e das escravas.
Na Grécia, nem as diversidades das cidades e de seus gêneros de vida, apagaram alguns costumes que marcaram as instituições familiares e a organização social.
Em Atenas a família era monogâmica, apesar de o concubinato ser aceito pelos costumes. O casamento era sempre antecedido do noivado, que era uma negociação entre o pai da noiva e o futuro marido. A mulher ateniense não era vista como cidadã, pois não tinha nem direitos civis e nem jurídicos, sendo sempre submetida ao seu pai ou seu tutor, seu marido ou seus filhos caso fosse viúva. Não podiam comprar e nem vender imóveis, sendo seus os únicos direitos o poder de se casar e o de gerar descendentes legítimos. Só era punido o adultério feminino; o divórcio consistia, simplesmente, no repúdio do marido pela mulher.
2. Casamento Romano
O casamento em Roma era uma das principais instituições da sociedade e tinha como objetivo primordial a geração de filhos legítimos para herdarem a propriedade e o estatuto dos pais, conforme palavras de Álvaro Villaça Azevedo (2002, p.38) : “ O casamento foi o fundamento da família e da sociedade romana”.
Em Roma existem dois conceitos clássicos de casamento, o de Modestino que definia as núpcias como sendo a união do marido e da mulher e o consórcio para toda a vida, a comunicação do direito divino e do humano e o das às Institutas, onde o matrimônio significava a união do varão e da mulher, aludindo a uma comunhão indivisível de vida.
Segundo Álvaro Villaça Azevedo (2002) nestes conceitos estão presentes dois elementos distintivos: o objetivo, que seria a convivência do marido e da mulher, e o subjetivo, representado pela afeição marital, pelo pleno consórcio entre ambos.
Comentando estes elementos, o autor (2002, p.39) acima citado diz que:
A afeição conjugal era indispensável fator à própria existência do casamento, pois parece ter sido uma lição dos romanos, plantada como semente de grande espiritualidade, que deu ao matrimônio esse colorido imaterial. Entretanto, em regime de desigualdade de direitos entre o homem e a mulher, a afeição conjugal viria a ser cultivada em sentido de constante humanização, sob influência do cristianismo, como verdadeiro exemplo à formação da família moderna, em que a independência dos membros da família existe e sob um mútuo controle e respeito de um pelo outro.
A afeição entre os cônjuges romanos era o elemento mais importante do casamento e significava a intenção de ter uma vida em comum, de estabelecer uma sociedade conjugal. Ele não era indissolúvel, porém revestia-se de um caráter de perpetuidade no sentido de que a união deveria ser duradoura. A affectio maritalis enquanto perdurasse, garantia a manutenção do casamento, desaparecida, extinguia-se o vinculo.
Era perfeita a sintonia entre o corpus e o animus. A falta de um desses elementos implicaria a extinção do casamento, que se consumava sem maiores formalidades e sem a intervenção do Estado, pois não existia no Direito romano qualquer lei que regulasse as relações entre os esposos, encontrando-se a sua disciplina do dever de coabitação, inserido na esfera da moral, com alguns reflexos na esfera jurídica, devido, principalmente, à condição de inferioridade da mulher na sociedade romana.
Inicialmente não era necessária nenhuma espécie de cerimônia legal ou religiosa para a validação do casamento na Roma Antiga, bastava à coabitação para que fossem considerados casados. Era carente de qualquer valor jurídico, embora tivesse grande importância social, como ressalta o professor Álvaro Villaça (2002, p.40):
Como o matrimônio romano não é uma relação jurídica, mas um fato social, os princípios referentes á celebração, dissolução e proteção do matrimônio não constituem uma regulamentação propriamente jurídica, mas que melhor se enquadram no campo da ética. A celebração do matrimônio não é um negócio jurídico, nem está ligado à observação de formas jurídicas. Seus pressupostos não estão sujeitos a uma comprovação estatal.... Os vínculos morais que ligam os cônjuges têm sido durante muitos séculos, suficientes para assegurar a subsistência do matrimônio.
Para torná-la autêntico o casamento, na Roma Antiga, era imprescindível à obediência a dois critérios, quais sejam: capacidade jurídica matrimonial e o consentimento, que era dos nubentes e do pater famílias, conforme José Cretella Júnior (1999, p. 189): “o matrimônio é justo ou legítimo se entre aqueles que contraem as núpcias existir conubium, e se tanto o varão for púbere, quanto a mulher núbil, e se um e outros consentem ou consentem seus pais, se sujeitos ao poder destes”.
Na sociedade romana existiam duas formas de casamento, o cum manum e o sine manum. No primeiro caso o homem adquiria o poder marital sobre a mulher, que se desvinculava da família de origem e ingressava na do marido com os seus bens. Era uma forma autocrática, onde a mulher não tinha qualquer tipo de direitos sobre seus bens e sobre sua própria vida.
Esse tipo de casamento caiu em desuso dando lugar ao sine manum, que consistia na permanência da tutela da mulher com o seu pai, além de poder dispor dos seus bens e receber herança.
O casamento cum manum podia ser realizado de três formas: confarreatio, coemptio e usus. A confarreatio era a forma mais antiga de casamento em Roma e era um procedimento reservado ao patriarcado. Apresentava-se sob rituais e formas religiosas, onde era obrigatória a presença dos sacerdotes e de dez testemunhas.
Já a coemptio era o tipo de casamento realizado principalmente entre os plebeus e consistia na reconstituição simbólica da venda da mulher ao marido, conforme palavras do professor José Cretella Júnior (1999, p. 120): “ A própria mulher é que se vende, que se emancipa ao marido na presença de cinco cidadãos púberes e de uma porta balança, na qual era colocada uma moeda de prata ou de bronze”.
No usus o casamento se concretizava quando uma mulher tivesse coabitado de maneira ininterrupta por um ano com um homem. Se durante este período a mulher passasse três noites fora do domicilio conjugal, continuava solteira e sob a tutela do pai.
À vontade do homem e da mulher de se considerarem como esposos era a causa única da escolha deste tipo de casamento. Já se vê neste modelo um valor legal reconhecido ao casamento sine manum, como destaca José Cretella Júnior (1999, p. 126):
A introdução do usus deu certo valor jurídico à união de duas pessoas vivendo como marido e mulher, sem conventio in manum. Essa união outrora precária devia agora se transformar em breve vencimento [em curto prazo] em caso legítimo.
3 Casamentos no Direito Canônico
A canonização do casamento teve início por volta do século IX, quando a Igreja começou a chamar para si a competência exclusiva para regulamentar toda a matéria matrimonial. Ela passou a influenciar sobremaneira as relações matrimonias.
O casamento na Idade Média tinha caráter indissolúvel e era monogâmico, conforme descrito no Evangelho de São Mateus (1993, 19,3 a 9): “... assim, não são mais dois, mas uma só carne. Portanto o que Deus ajuntou, não se separe o homem”.
O casamento era um sacramento e não podiam os homens dissolver a união realizada por Deus. O divórcio era considerado como contrário à própria índole da família e ao interesse dos filhos, só sendo aceito em relação aos infiéis, pois neste caso o casamento não tinha caráter sagrado.
Segundo Pontes de Miranda (2001, p.63), antes do Concilio de Trento, quatro eram os elementos formadores do casamento, todavia a inobservância dessas formas não levava à nulidade do casamento:
- consentimento dos esposos, que se mostrava como a essência do casamento;
- cópula entre os esposos, pois o consentimento embora absolutamente necessário para constituir o casamento, não era suficiente para torna-lo indissolúvel;
- o consentimento precedente ao definitivo, já referido, e que se continha nas promessas de casamento que, por exemplo, nos costumes germânicos, eram condições essenciais para a validade das núpcias;
- benção nupcial, pois em todo casamento cristão deveria ser previamente anunciada à benção pelo padre no momento da sua celebração;
A doutrina canônica estabeleceu um sistema de impedimentos para o casamento, já que este era indissolúvel. Esses impedimentos justificariam a nulidade ou anulabilidade do casamento. Para a sua validação a Igreja Católica exigia o consenso dos nubentes e as relações sexuais voluntárias. Desta forma o simples consentimento das partes caracterizava o casamento, mas este só pode ser dissolvido, quando não tiver havido entre os cônjuges relação sexual.
Com o Concílio de Trento houve algumas mudanças relacionadas ao casamento. Para que não restassem dúvidas sobre a validade do consentimento dada pelos esposos, foi criada a forma Tridentina, onde se reafirmou solenemente o caráter sacramental do casamento, reconhecendo a competência exclusiva da Igreja, representada por seus párocos ou sacerdotes, para a celebração, conforme palavras de Álvaro Villaça Azevedo (2002, p.60-61):
O matrimônio é, portanto, um negócio formal, todavia, para assegurar o mais possível à certeza da troca de vontades e por razões, que podemos dizer, de ordem pública (prova de sua existência), foi estabelecida uma forma determinada para a manifestação da vontade, observando-se-a, inderrogavelmente, como essencial, nos casos normais, para a validade desse matrimônio. Se esta formalidade não fosse cumprida, acarretaria a nulidade do casamento.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO. Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 30-65; 121-148.
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Centro Bíblico Católico. 73. ed. rev. São Paulo: Ave Maria, 1993
CANEZIN,Claudete Carvalho. A mulher e o casamento: da submissão à emancipação.Out/2006.Disponívelem:. Acesso em: 11 maio /2007.
COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Tratado do casamento e do divorcio . São Paulo: Saraiva, 1987, p. 03-10.
CRETELLA JÚNIOR. José. Curso de Direito Romano. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 120-135; 170-190.
MIRANDA. Pontes de. Tratado de Direito de Família. v. II. 1. ed. São Paulo: Bookseller, 2001, p.25-63; 202-210.
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