Prazer e Dor - Hedonismo de Epicuro
Prazer e dor. Polos opostos cujas gradações populam não apenas a experiência humana, mas também a experiência da vida em si, de todo tipo de vida. A dor nos leva a repelir algo, nos mostrando o que é dissonante de nós, e o prazer nos impulsiona para que nos aproximemos de alguma coisa, revelando o que nos é ressonante.
E, talvez estranhamente, estas sensações não acontecem necessariamente porque algo realmente nos cause prazer ou dor. Na verdade a consciência destes estados não se sente somente com um estímulo imediato, e sim, muitas vezes, como a memória de algo que se sentiu, a lembrança de uma experiência, gerando a expectativa de ter novo prazer, ou de sofrer dor, tal como diz aquele ditado popular: “Gato escaldado tem medo de água fria”. Assim estas sensações não são apenas reações momentâneas, e sim algo que passa a fazer parte de cada um, constituindo a base do nosso aprendizado e dando forma a quem nós somos. Pode-se dizer que as ressonâncias (o prazer) representam respostas que nos completam, expandindo nossa expressão para o exterior, e que as dissonâncias (dor) mostram nossos limites, os quais não nos permitem passar adiante, o ponto a partir do qual cessa o “eu” e começa algo diferente do “eu”.
A princípio, o prazer e a dor parecem opostos, contraditórios em suas naturezas porém, em uma análise mais profunda, percebe-se que estão interligados, sendo complementares entre si. O prazer (que aponta para a expressão de quem somos, a qual diz respeito ao nosso aspecto interior) é complementado pela natureza do que existe ao nosso redor, a qual corresponde à visão do que difere do “eu” (sendo este o aspecto exterior a nós que é revelado pela dor). O interior é complementado pelo exterior. Dessa forma, o desenvolvimento da consciência só é completo na vivência de ambas as percepções. O interior, percebemos por nossos próprios impulsos. O exterior, percebemos pela negação destes impulsos.
No sistema nervoso, os neurônios acrescentam novas considerações à questão da percepção. O neurônio sempre reage a uma certa intensidade mínima de estímulos de forma que, abaixo desse limiar, novas sinapses não ocorrem. No entanto, quando um mesmo estímulo é intenso o bastante mas repetido com frequencia, ele passa a ser ignorado. O motivo disso é o que se chama de imagem consecutiva negativa que é mantida por um tempo, de forma residual, em cada neurônio e que, sendo a imagem negativa do estimulo, ela o cancela. Para se compreender o que é a imagem consecutiva negativa, basta observar alguma cena com cores iluminadas e brilhantes por alguns segundos, e fechar os olhos. Então se verá uma imagem em negativo, a qual é a imagem consecutiva negativa do que se viu.
Há muitas outras experiências físicas nesse sentido como, por exemplo, a percepção do frio ou do calor que tende a se amenizar com o passar do tempo, o eco dos sons que nos incomoda a princípio mas que o ignoramos depois de um certo período, um ruído insistente que passa despercebido quando nos habituamos a ele, e, é claro, isso também se aplica às sensações de prazer e dor e, até mesmo, às experiências subjetivas da rotina do dia-a-dia, as quais não são necessariamente físicas. Na verdade, é este mecanismo que permite que nos acostumemos às mais diversas situações ao nosso redor porém, ao mesmo tempo, nos torna cada vez mais incapazes de perceber o que nos cerca, a menos que os estímulos se tornem mais intensos, ou que sejam intercalados pela ausência de estímulos. Essa é a base da dinâmica do vício: a busca de um estímulo cada vez maior para produzir o mesmo efeito de prazer. É a escravidão de si mesmo à paixão, não no sentido romântico, mas no sentido de tornar-se dependente das próprias sensações.
O vício se origina com uma experiência prazerosa que gera a expectativa da repetição dessa experiência. Seguem então tentativas de reproduzi-la, porém cada nova tentativa tende a proporcionar menos prazer do que as anteriores, justamente pelo fato da pessoa acostumar-se a elas. Como compensação, procura-se experiências cada vez mais fortes para se manter a mesma intensidade de satisfação. Em certo estágio, realiza-se freneticamente diversas tentativas, as quais não produzem qualquer tipo de satisfação real. Quando se percebe a falta de sentido do vício, tenta-se negá-lo e conte-lo, mas aspectos subconscientes foram estimulados por muito tempo até então, adquirindo uma espécie de aprendizado inercial sobre como gerar o prazer através do vício. A abstinência gera insatisfação e a mente começa a sugerir os passos que aprendeu para obter o prazer. Por um tempo, existe uma resistência consciente a estes estímulos porém, gradualmente, começa-se a ceder a atitudes aparentemente sem consequências, porém sedutoras. Estas atitudes provocam ainda mais a imaginação, diminuindo o poder sobre os próprios pensamentos e, por consequência, reduzindo também o auto-controle. E assim, após um período de abstinência que pode ser até mesmo razoavelmente longo, há a recaída, e após a recaída, toda a auto-estima adquirida neste período se esvai, até que se tente novamente vencer o vício. Este processo se aplica a todo tipo de vício, seja o vício de comer exageradamente, usar drogas, fazer sexo, fazer compras, ou qualquer outro.
Na sociedade, o vício provoca deteriorações das mais diversas formas, seja na saúde, nos aspectos financeiros, ou nos relacionamentos pessoais, familiares, sociais e profissionais. Para contrabalançar estas consequências, existem regras para moderar as possibilidades individuais de obtenção do prazer. São as convenções religiosas, morais e legais que têm a função de fixar limites, criar contextos estáveis, e assim estabelecer ciclos que intercalam a satisfação por um lado e o cumprimento de uma função social por outro. O problema está no fato de que estas convenções não conseguem abranger as necessidades pessoais de uma forma plena e homogênea para todos os indivíduos, gerando uma crescente insatisfação na sociedade e provocando conflitos com relação às convenções pré-estabelecidas, nas esferas pessoal, familiar, social e profissional. De fato, é frequente que estes atritos e desequilíbrios sejam transportados para dentro das pessoas, tornando-as indivíduos de “duas faces”, sendo uma destas faces a demonstração de perfeição religiosa e moral, e a outra, de uma natureza oculta, intencionalmente escondida. E também existem as pessoas consideradas virtuosas, embora sejam difíceis de se diferenciar daquelas que são hipócritas, ou seja, das que aparentam ser algo que não são (a não ser pelas contradições inerentes da hipocrisia). Ainda assim, mesmo para o verdadeiramente virtuoso, ainda pesa a insatisfação.
A forma como o prazer e a dor se manifestam (e as condições que se repetem nesse processo) abrange muitos contextos, seja o próprio indivíduo (introspectivamente), ou no ambiente familiar, ou na sociedade de uma maneira mais ampla. Compreender estes aspectos em si mesmo é o primeiro passo para se adquirir o auto-controle e também o controle sobre as possibilidades de transformação da realidade ao redor de si. É necessário que se seja capaz de se ver tal como um observador externo, percebendo a dinâmica de pensamentos, sensações e emoções interna, bem como as interações externas, e então procurar conscientemente interferir nesta dinâmica. Com este tipo de intervenção, através de pensamentos, atitudes e ações, é possível assumir o controle de si próprio para então ser capaz de interagir e orientar melhor o mundo ao redor de si, na direção de uma realização cada vez mais plena. Os resultados são, com frequência, quase desanimadores à princípio e, em meio a um processo de tentativa-e-erro, não há garantia de que nunca surjam motivos para arrependimento mas, para cada ilusão e erro sempre há um aprendizado quando os percebemos e, assim, nos tornamos melhores pelo simples fato de tentarmos sê-lo.
O que se busca é permitir que a satisfação ocorra de forma equilibrada. O filósofo grego Epicuro (341 - 271/270 a.C) criou um método relativamente simples de ser aplicado na busca da realização plena do prazer com equilíbrio, cujo sentido original se deturpou já nos seus primórdios, por seus próprios seguidores: o hedonismo. O hedonismo, na concepção de Epicuro, partia do princípio de que o ser humano tem três dimensões: física, mental e espiritual. A dimensão física diz respeito à satisfação ou insatisfação física; a dimensão mental diz respeito às satisfações ou insatisfações apontadas pelo uso da razão, a qual envolve o intelecto e também a capacidade de imaginar possibilidades; a dimensão espiritual, no entanto, envolve os sentimentos e, em particular, aqueles que nos ligam às outras pessoas e à natureza ao nosso redor, nos tornando capazes de sentirmos satisfação ou insatisfação não apenas por nós mesmos, mas também nos permitindo desenvolver empatia por outras pessoas, nos motivando a agir também pelo bem-estar de outros. Nessa concepção, o hedonismo é ético e pressupõe que, se buscarmos maximizar o prazer nestas três dimensões, permanecendo sensíveis às mesmas, estaremos em equilíbrio. O hedonismo é uma bússola interna para procurar a verdade pois implica na atenção plena às fontes primárias do conhecimento de si próprio e do mundo: o prazer e a dor.
Prazer e dor. Polos opostos cujas gradações populam não apenas a experiência humana, mas também a experiência da vida em si, de todo tipo de vida. A dor nos leva a repelir algo, nos mostrando o que é dissonante de nós, e o prazer nos impulsiona para que nos aproximemos de alguma coisa, revelando o que nos é ressonante.
E, talvez estranhamente, estas sensações não acontecem necessariamente porque algo realmente nos cause prazer ou dor. Na verdade a consciência destes estados não se sente somente com um estímulo imediato, e sim, muitas vezes, como a memória de algo que se sentiu, a lembrança de uma experiência, gerando a expectativa de ter novo prazer, ou de sofrer dor, tal como diz aquele ditado popular: “Gato escaldado tem medo de água fria”. Assim estas sensações não são apenas reações momentâneas, e sim algo que passa a fazer parte de cada um, constituindo a base do nosso aprendizado e dando forma a quem nós somos. Pode-se dizer que as ressonâncias (o prazer) representam respostas que nos completam, expandindo nossa expressão para o exterior, e que as dissonâncias (dor) mostram nossos limites, os quais não nos permitem passar adiante, o ponto a partir do qual cessa o “eu” e começa algo diferente do “eu”.
A princípio, o prazer e a dor parecem opostos, contraditórios em suas naturezas porém, em uma análise mais profunda, percebe-se que estão interligados, sendo complementares entre si. O prazer (que aponta para a expressão de quem somos, a qual diz respeito ao nosso aspecto interior) é complementado pela natureza do que existe ao nosso redor, a qual corresponde à visão do que difere do “eu” (sendo este o aspecto exterior a nós que é revelado pela dor). O interior é complementado pelo exterior. Dessa forma, o desenvolvimento da consciência só é completo na vivência de ambas as percepções. O interior, percebemos por nossos próprios impulsos. O exterior, percebemos pela negação destes impulsos.
No sistema nervoso, os neurônios acrescentam novas considerações à questão da percepção. O neurônio sempre reage a uma certa intensidade mínima de estímulos de forma que, abaixo desse limiar, novas sinapses não ocorrem. No entanto, quando um mesmo estímulo é intenso o bastante mas repetido com frequencia, ele passa a ser ignorado. O motivo disso é o que se chama de imagem consecutiva negativa que é mantida por um tempo, de forma residual, em cada neurônio e que, sendo a imagem negativa do estimulo, ela o cancela. Para se compreender o que é a imagem consecutiva negativa, basta observar alguma cena com cores iluminadas e brilhantes por alguns segundos, e fechar os olhos. Então se verá uma imagem em negativo, a qual é a imagem consecutiva negativa do que se viu.
Há muitas outras experiências físicas nesse sentido como, por exemplo, a percepção do frio ou do calor que tende a se amenizar com o passar do tempo, o eco dos sons que nos incomoda a princípio mas que o ignoramos depois de um certo período, um ruído insistente que passa despercebido quando nos habituamos a ele, e, é claro, isso também se aplica às sensações de prazer e dor e, até mesmo, às experiências subjetivas da rotina do dia-a-dia, as quais não são necessariamente físicas. Na verdade, é este mecanismo que permite que nos acostumemos às mais diversas situações ao nosso redor porém, ao mesmo tempo, nos torna cada vez mais incapazes de perceber o que nos cerca, a menos que os estímulos se tornem mais intensos, ou que sejam intercalados pela ausência de estímulos. Essa é a base da dinâmica do vício: a busca de um estímulo cada vez maior para produzir o mesmo efeito de prazer. É a escravidão de si mesmo à paixão, não no sentido romântico, mas no sentido de tornar-se dependente das próprias sensações.
O vício se origina com uma experiência prazerosa que gera a expectativa da repetição dessa experiência. Seguem então tentativas de reproduzi-la, porém cada nova tentativa tende a proporcionar menos prazer do que as anteriores, justamente pelo fato da pessoa acostumar-se a elas. Como compensação, procura-se experiências cada vez mais fortes para se manter a mesma intensidade de satisfação. Em certo estágio, realiza-se freneticamente diversas tentativas, as quais não produzem qualquer tipo de satisfação real. Quando se percebe a falta de sentido do vício, tenta-se negá-lo e conte-lo, mas aspectos subconscientes foram estimulados por muito tempo até então, adquirindo uma espécie de aprendizado inercial sobre como gerar o prazer através do vício. A abstinência gera insatisfação e a mente começa a sugerir os passos que aprendeu para obter o prazer. Por um tempo, existe uma resistência consciente a estes estímulos porém, gradualmente, começa-se a ceder a atitudes aparentemente sem consequências, porém sedutoras. Estas atitudes provocam ainda mais a imaginação, diminuindo o poder sobre os próprios pensamentos e, por consequência, reduzindo também o auto-controle. E assim, após um período de abstinência que pode ser até mesmo razoavelmente longo, há a recaída, e após a recaída, toda a auto-estima adquirida neste período se esvai, até que se tente novamente vencer o vício. Este processo se aplica a todo tipo de vício, seja o vício de comer exageradamente, usar drogas, fazer sexo, fazer compras, ou qualquer outro.
Na sociedade, o vício provoca deteriorações das mais diversas formas, seja na saúde, nos aspectos financeiros, ou nos relacionamentos pessoais, familiares, sociais e profissionais. Para contrabalançar estas consequências, existem regras para moderar as possibilidades individuais de obtenção do prazer. São as convenções religiosas, morais e legais que têm a função de fixar limites, criar contextos estáveis, e assim estabelecer ciclos que intercalam a satisfação por um lado e o cumprimento de uma função social por outro. O problema está no fato de que estas convenções não conseguem abranger as necessidades pessoais de uma forma plena e homogênea para todos os indivíduos, gerando uma crescente insatisfação na sociedade e provocando conflitos com relação às convenções pré-estabelecidas, nas esferas pessoal, familiar, social e profissional. De fato, é frequente que estes atritos e desequilíbrios sejam transportados para dentro das pessoas, tornando-as indivíduos de “duas faces”, sendo uma destas faces a demonstração de perfeição religiosa e moral, e a outra, de uma natureza oculta, intencionalmente escondida. E também existem as pessoas consideradas virtuosas, embora sejam difíceis de se diferenciar daquelas que são hipócritas, ou seja, das que aparentam ser algo que não são (a não ser pelas contradições inerentes da hipocrisia). Ainda assim, mesmo para o verdadeiramente virtuoso, ainda pesa a insatisfação.
A forma como o prazer e a dor se manifestam (e as condições que se repetem nesse processo) abrange muitos contextos, seja o próprio indivíduo (introspectivamente), ou no ambiente familiar, ou na sociedade de uma maneira mais ampla. Compreender estes aspectos em si mesmo é o primeiro passo para se adquirir o auto-controle e também o controle sobre as possibilidades de transformação da realidade ao redor de si. É necessário que se seja capaz de se ver tal como um observador externo, percebendo a dinâmica de pensamentos, sensações e emoções interna, bem como as interações externas, e então procurar conscientemente interferir nesta dinâmica. Com este tipo de intervenção, através de pensamentos, atitudes e ações, é possível assumir o controle de si próprio para então ser capaz de interagir e orientar melhor o mundo ao redor de si, na direção de uma realização cada vez mais plena. Os resultados são, com frequência, quase desanimadores à princípio e, em meio a um processo de tentativa-e-erro, não há garantia de que nunca surjam motivos para arrependimento mas, para cada ilusão e erro sempre há um aprendizado quando os percebemos e, assim, nos tornamos melhores pelo simples fato de tentarmos sê-lo.
O que se busca é permitir que a satisfação ocorra de forma equilibrada. O filósofo grego Epicuro (341 - 271/270 a.C) criou um método relativamente simples de ser aplicado na busca da realização plena do prazer com equilíbrio, cujo sentido original se deturpou já nos seus primórdios, por seus próprios seguidores: o hedonismo. O hedonismo, na concepção de Epicuro, partia do princípio de que o ser humano tem três dimensões: física, mental e espiritual. A dimensão física diz respeito à satisfação ou insatisfação física; a dimensão mental diz respeito às satisfações ou insatisfações apontadas pelo uso da razão, a qual envolve o intelecto e também a capacidade de imaginar possibilidades; a dimensão espiritual, no entanto, envolve os sentimentos e, em particular, aqueles que nos ligam às outras pessoas e à natureza ao nosso redor, nos tornando capazes de sentirmos satisfação ou insatisfação não apenas por nós mesmos, mas também nos permitindo desenvolver empatia por outras pessoas, nos motivando a agir também pelo bem-estar de outros. Nessa concepção, o hedonismo é ético e pressupõe que, se buscarmos maximizar o prazer nestas três dimensões, permanecendo sensíveis às mesmas, estaremos em equilíbrio. O hedonismo é uma bússola interna para procurar a verdade pois implica na atenção plena às fontes primárias do conhecimento de si próprio e do mundo: o prazer e a dor.
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