segunda-feira, agosto 13, 2012


AS CONDIÇÕES PARA A INICIAÇÃO



 
Voltando agora a questão das condições da iniciação, e diremos em primeiro lugar, ainda que possa parecer evidente, que a primeira destas condições é uma certa aptidão ou disposição natural, sem a qual, todos os esforços seriam em vão, pois o indivíduo não pode indiscutivelmente desenvolver senão as possibilidades que tem nele desde a origem; esta aptidão, que faz o que alguns chamam o "iniciável", constitue propriamente a "qualificação" requerida por todas as tradições iniciáticas (23).


Esta condição é, por demais, a única comum, em certo sentido, à iniciação e ao misticismo, pois está claro que o místico deve ter, ele também, uma disposição natural especial, ainda que completamente diferente da do "iniciável", inclusive oposta a ela em muitos aspectos; porem esta condição, para ele, ainda que igualmente necessária, é de sobra suficiente; não tem nenhuma outra que se deva adicionar, e as circunstâncias fazem o resto, fazendo passar o seu capricho da "potência" ao "ato" tal ou qual possibilidades que comporte a disposição de que se trata.


Este resulta diretamente do caráter de "passividade" do que temos falado: não poderia, com efeito, em tal caso, tratar-se de um esforço ou de um trabalho pessoal qualquer, que o místico jamais efetuará, e do qual deverá inclusive resguardar-se cuidadosamente, como de algo que estivera em oposição com sua "via" (24), enquanto que, pelo contrário, no relativo a iniciação, e em razão de seu caráter "ativo", um trabalho tal constitue outra condição não menos estritamente necessária que a primeira, e sem a qual o passo da "potência" ao "ato", que é propriamente a "realização", poderia de nenhum modo cumprir-se (25).


Contudo, isto não é todavia tudo: não temos feito em suma mais que desenvolvera diferença, exposta a princípio, entre a "atividade" iniciática e a "passividade" mística, para extrair a consequência de que, para a iniciação, há uma condição que não existe, e que não poderia existir, no que concerne ao misticismo; porém ainda há outra condição não menos necessária da qual temos falado, e que se situa em qualquer caso entre aquelas que estão postas em tela de juízo.


Esta condição, sobre a qual é preciso por outra parte insistir em que os ocidentais, em geral, são demasiado dados a ignora-la ou a desconhecer sua importância, e inclusive, verdadeiramente, a mais característica de todas, a que permite definir a iniciação sem equívoco possível, e não confundi-la com qualquer outra coisa; por ela, o caso da iniciação está muito mais delimitado do que poderia ser o do misticismo, para o qual não existe nada dele.


É a miúdo difícil, se não de todo impossível, distinguir o falso misticismo do verdadeiro; o místico é, por definição, um isolado e um "irregular", e muitas vezes ele mesmo não sabe o que é verdadeiro; e o feito de que não se trata do conhecimento no estado puro, senão que inclusive o que é conhecimento real está sempre influindo por uma mistura de sentimento e de imaginação, faz com que estes longe de simplificar a questão; em todo caso, há algo que escapa a todo controle, o que poderíamos expressar dizendo que não há para o místico nenhum "meio de conhecimento" (26).


Se poderia dizer também que o místico não tem "genealogia", que não é tal destino por uma sorte de "geração espontânea", e cremos que estas expressões são fáceis de compreender sem necessidade de mais explicações; então, como se pode afirmar sem nenhuma dúvida que um é autenticamente místico e que o outro não é, quando sem dúvida todas as aparências podem ser sensivelmente as mesmas? Pelo contrário, as falsificações da iniciação sempre podem ser detectadas infalivelmente pela ausência da condição a que temos aludido, e que não é outra que a adesão a uma organização tradicional regular.


Há ignorantes que se imaginam poder "iniciar-se" a si mesmos, o que é de qualquer maneira uma contradição no final; esquecem, se é que alguma vez o tenham sabido, que a palavra initium significa "entrada" ou "começo", confundem o fato mesmo da iniciação, entendida no sentido estritamente etimológico, com o trabalho a realizar posteriormente para que esta iniciação, de virtual que tem sido em um princípio, se transforme mais ou menos em plenamente efetiva.


A iniciação, assim compreendida, é o que todas as tradições concordam em designar como o "segundo nascimento"; como poderia um ser atuar por si mesmo antes de haver nascido? (27).


Bem sabemos o que se nos poderá objetar a ele: se o ser está verdadeiramente "qualificado", já leva nele as possibilidades que se propõe a desenvolver; porque, se ele é assim, não poderia realizá-las mediante seu próprio esforço, sem nenhuma intervenção exterior? Isto é, de fato, algo que está permitindo considerar teoricamente, a condição de conceber -se como o caso de um homem "duas vezes nascido" desde o primeiro momento de sua existência individual; porem, se não tem ele uma impossibilidade de princípio, não há menos uma possibilidade de fato, no sentido em que isto é contrário a ordem estabelecida para nosso mundo. A menos em suas condições atuais.


Não estamos na época primordial em que todos os homens possuíam normal e espontaneamente um estado que hoje em dia é somente adquirido em um alto grau de iniciação(28); e, por outra parte, para dizer a verdade, o nome mesmo de iniciação, em uma época semelhante, não podia ter nenhum sentido.


Estamos no Kali-Yuga, é dizer, em um tempo em que o conhecimento espiritual se encontra oculto, e de onde somente uns poucos podem todavia alcança-lo, desde que se situem nas condições requeridas para obtê-lo; nesse instante, uma destas condições é precisamente aquela da qual temos falado, assim como outra é o esforço do qual os homens das primeiras épocas não tinham necessidade alguma, já que o desenvolvimento espiritual se cumpria neles tão naturalmente como o desenvolvimento corporal.


Se trata então de uma condição cuja necessidade se impõe em conformidade com as leis que regem nosso mundo atual; e para fazermos compreender melhor, podemos recorrer aqui a uma analogia: todos os seres que se desenvolveram no curso de um ciclo estão compreendidos desde o princípio, em estado de germens sutis, no "Ovo do Mundo"; então, porque não surgiram ao estado corporal por si mesmo, sem pais? Não é isto uma impossibilidade absoluta, e pode conceber-se um mundo em que ocorra assim; porém, com efeito, esse mundo não é nosso.


Nos reservamos, por suposição, a questão das anomalias; pode ser que existam casos excepcionais de "geração expontânea", e, na ordem espiritual, temos aplicado até agora esta expressão no caso do místico; porem também temos dito que este é um "irregular", enquanto que a iniciação é algo essencialmente "regular", que nada tem haver com as anomalias.


Todavia faltaria por saber exatamente até onde podem estas chegarem; deve, também, ajustar-se em definitivo a alguma lei, pois todas as coisas não podem existir senão como elementos de ordem total e universal.


Só isto, si se quisera refletir, poderia bastar para fazer pensar que os estados realizados pelo místico não são precisamente os mesmos que os do iniciado, e que, se sua realização não está submetida as mesmas leis, é que efetivamente se trata de algo diferente; porem agora podemos deixar por completo de lado o caso do misticismo, sobre o qual já temos falado bastante para o que nos proporíamos estabelecer, para não considerar exclusivamente mais que o da iniciação.


Nos falta com efeito precisar o papel da adesão a uma organização tradicional, que não poderia , hipoteticamente, dispensar de nenhum modo do trabalho interior que não pode cumprir cada um senão por si mesmo, porém que é necessária, como condição prévia, para que este mesmo trabalho possa efetivamente dar seus frutos.


Deve permanecer compreendido, desde e agora, que os que se tem constituído em depositários do conhecimento iniciático, não pode comunicá-lo de uma maneira mais ou menos comparável a um professor, no ensino profano, comunica a seus alunos fórmulas livres que devem armazenar em sua memória; se trata aqui de algo que, em sua própria essência, é propriamente "incomunicável", já que são estados a realizar interiormente.


O que pode ensinar-se são unicamente os métodos preparatórios para a obtenção destes estados; o que pode ser proporcionado exteriormente a este respeito é em suma uma ajuda, um apoio que facilite enormemente o trabalho a cumprir, e também um controle que separe os obstáculos e os perigos que possam se apresentar; todo ele está muito distante de ser depreciável, e quem se ver privado disto, correria o risco de desembocar em um fracasso, porém isto justificaria completamente o que temos dito quando falamos de uma condição necessária.


De modo que não é isto o que tínhamos em vista, ao menos de maneira imediata; todo ele não intervém senão secundariamente, e em qualquer caso a título de conseqüências, traz a iniciação entendida em seu sentido mais estrito, tal como temos indicado, e desde o momento em que se trata de desenvolver efetivamente a virtualidade que ela constitue; porem ainda é preciso, antes de tudo, que esta virtualidade preexista.


É então outra coisa o que deve se entender por transmissão iniciática propriamente dita, e não poderíamos caracteriza-la melhor que dizendo que esta é essencialmente a transmissão de uma influência espiritual; devemos voltar sobre ela mais amplamente, porem, no momento, nos limitaremos a determinar mais exatamente o papel que desempenha esta influência, entre a aptidão natural propriamente inerente ao indivíduo e o trabalho de realização que a continuação se efetuará.


Temos assinalado em outro lugar que as fases da iniciação, igual que as da "Grande Obra" hermética que não é no fundo senão uma de suas expressões simbólicas, reproduzem as do processo cosmogônico (29); esta analogia, que se funda diretamente sobre a do "microcosmos" com o "macrocosmos", permite, melhor que toda outra consideração, aclarar a questão que atualmente tratamos.


Pode dizer-se, com efeito, que as atitudes ou possibilidades incluídas na natureza individual não são em princípio, em si mesmas, mais que uma matéria prima, é dizer, uma pura potencialidade, na qual não tem nada desenvolvido ou diferenciado (30); é então o estado caótico e tenebrosos, que o simbolismo iniciático faz precisamente corresponder com o mundo profano, e no qual se encontra o ser que todavia não tem alcançado o "segundo Nascimento".


Para que este caos possa começar a tomar forma e a organizar-se é preciso que uma vibração inicial o seja comunicada pelas potências espirituais, a que o Gênesis hebreu designa como os Elohim; esta vibração é o Fiat Lux que ilumina o caos, que constitue o ponto de partida necessário para todos os desenvolvimentos posteriores; e sob o ponto de vista iniciático, esta iluminação está precisamente constituída pela transmissão da influência espiritual da que temos falado (31).


Desde então, e em virtude desta influência, as possibilidades espirituais do ser não são a simples potencialidade que antes eram; se transformam em uma virtude disposta a desenvolver-se em ato nos diversos estágios da realização iniciática.


Podemos resumir tudo o que precede dizendo que a iniciação implica três condições que se apresentam em forma sucessiva, e que se podiam fazer corresponder respectivamente com as três conclusões de "potencialidade", "virtualidade" e "atualidade": 1°, a "qualificação", constituídas por certas possibilidades inerentes a natureza própria do indivíduo, e que são a matéria prima sobre a qual o trabalho iniciático deverá se efetuar; 2°, a transmissão, por meio da adesão a uma organização tradicional, de uma influência espiritual que dá ao ser a "iluminação" que o permitirá ordenar e desenvolver as possibilidades que leva a ele; 3°, o trabalho interior pelo qual, com o auxilio de "ajudantes" ou "suportes" exteriores, se tem lugar e especialmente nos primeiros estágios, o desenvolvimento será realizado gradualmente, fazendo passar a ser, de escalão em escalão, através dos diferentes graus da hierarquia iniciática, para conduzi-lo ao objetivo final da "Liberação" ou da "Identidade Suprema".


NOTAS DE TRADUÇÃO

23. Se verá por outra parte, através dos estudos especial que faremos na continuação acerca da questão das qualificações iniciáticas, que este tema apresenta na realidade aspectos muito mais complexos de que se podia crer em um primeiro momento se nos atermos a noção geral que damos aqui.
24. Também os teólogos vêm divertidamente, e não sem razão, um "falso místico" naquele que busca, mediante um esforço qualquer, obter visões ou outros estados extraordinários, limitando-se inclusive este esforço a manutenção de um simples desejo.
25. Resulta dele, entre outras consequências, que os conhecimentos de ordem doutrinal, que são indispensáveis para o iniciado e cuja compreensão teórica é para ele uma condição prévia a toda "realização", podem faltar por completo no místico; daqui provem frequentemente, entre estes, aparte da possibilidade de erros e de confusões múltiplas, uma estranha capacidade de se expressar inteligivelmente. Deve ficar claro, por outra parte, que os conhecimentos de que se trata não tem absolutamente nada que ver com tudo que é senão instrução exterior ou "saber" profano, que tem aqui um valor nulo, como seguidamente explicaremos, e que inclusive, dado o que é a educação moderna, seria bem mais um obstáculo que uma ajuda na maior parte dos casos; um homem pode muito bem não saber nem ler, nem escrever, e alcançar sem dificuldade os mais altos graus da iniciação, e tais casos não são extremamente raros no Oriente, enquanto que há "sábios" e inclusive "gênios", segundo a maneira de ver do mundo profano, que não são "iniciáveis" em nenhum grau.
26. Não entendemos por ele palavras ou sinais exteriores e convencionais, pois estes não são na realidade senão a representação simbólica da tais meios.
27. Recordemos aqui o elementar adágio escolástico: "para construir, é preciso ser".
28. Ver L'Esoterisme de Dante, especialmente p.p. 63-64 e 94. Não é preciso dizer que não é, rigorosamente falando, uma matéria prima senão em sentido relativo, não no sentido absoluto; porém esta distinção não é importante desde o ponto de vista em que aqui nos situamos, e por outra parte, é igual a matéria prima de um mundo como o nosso, que, estando já determinada de certa forma, não é na realidade, com respeito a substância universal, senão uma matéria secundária (Cf. Le Règne de la Quantité et les signes des Temps, cap. II), de maneira que, inclusive debaixo desta relação, a analogia com o desenvolvimento de nosso mundo a partir do caos inicial é realmente exata.
31. Daqui vem a expressão como "dar a luz" e "receber a luz", empregadas para designar, com respeito ao iniciador e ao iniciado respectivamente, a iniciação no sentido restrito, é dizer, a transmissão mesma da que se trata aqui. Se notará também, no que concerne aos Elohim, que o número setenário que se lhes atribui está em relação com a constituição das organizações iniciáticas, que deve ser efetivamente uma imagem da própria ordem cósmica. "

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