quinta-feira, setembro 24, 2015

LIÇÕES DOS BANQUETES E DOS SOLSTÍCIOS!
Leandro Siqueira – Agosto 2015
Loja Plácido de Castro – Santa Cruz do Sul

INTRODUÇÃO
O Banquete Ritualístico é mais um dos preciosos conjuntos de ensinamentos da Maçonaria e reúne, desde as tradições antigas, conhecimentos concretos para a vida humana, em qualquer tempo. A cerimônia preferencialmente chamada de “Loja de Mesa” ou “Trabalhos de Mesa” faz parte da tradição maçônica e indica uma celebração ritualística específica para as duas festas solsticiais: em 24 de junho e 24 de dezembro. As alegorias deste ritual se traduzem em ensinamentos peculiares para os maçons e sugerem avanços sobre uma reflexão sempre atual, desde as sociedades mais antigas: a noção de equilíbrio na relação do Homem com o Ambiente. O pensamento ecológico vigente, com sua proposta de sustentabilidade, guarda relação íntima com estes aspectos místico-religiosos do passado.
Aprofundar estudos sobre as Festas Solsticiais remete necessariamente à reflexão sobre a interação dos Homens com as forças naturais, sobretudo no que diz da relação entre duas grandezas: o Sol e a Terra. Tendo em vista a condição de dependência da Vida terrestre para com a Luz do Sol, a temática se oferece como alegoria para aspectos fundamentais do relacionamento do Homem com a Natureza, dos Homens entre si e do Homem consigo mesmo. Desta lição surgem parâmetros para compreender os fundamentos do Ser: no embate interno entre coragem e medo ou no anseio pela retidão; na vida em comunidade, no espírito de fraternidade ou no sentido da celebração; remete ao pensar sobre a alma humana e sua capacidade de conexão com o cosmos; a crença nas forças astrais na relação com a terra; à produtividade da Semente e da renovação da vida; da força da natureza ao senso respeito para com ela; enfim, da ordem das coisas!
Em nossos dias, a desorganização do senso de comunidade, a violência desenfreada, as superpopulações, a injustiça, a pobreza e a ganância, ou mesmo o temor com a poluição das fontes naturais e da atmosfera são fatores que denotam desequilíbrio e geram insegurança. A falta de consciência ambiental desta sociedade abstrata e materialista teria se distanciado da compreensão do Equilíbrio Cósmico? Para os antigos chineses, o solstício de verão era um tempo em que a energia terrena Yin (feminina) nascia e começava a crescer, enquanto a energia Yang (masculina) começava a diminuir. O equilíbrio era tão considerado que todos tomavam cuidado para evitar qualquer ação que pudesse perturbar esse momento crucial. Por exemplo: ninguém viajava no solstício de verão.
DOS SOLSTÍCIOS E EQUINÓCIOS
Solstício (sól móvel – do latim) é o momento único de cada ano em que os raios solares caem verticalmente sobre os trópicos. O movimento do Sol guarda relação com a Luz, fonte de toda a vida na Terra, daí toda a tradição e adoração. O Solstício de Inverno coincide com o aparente curso do Sol quando ele atinge o ponto mais distante da terra, em seu curso ascendente até o horizonte. No Solstício de Verão acontece exatamente o contrário. O Sol, em seu curso descendente, chega ao ponto mais próximo da terra. Durante os meses precedentes, o Astro Rei se levanta sobre o horizonte numa distância, em arco, cada vez menor, por isso as horas de luz são diminuídas - o Sol nasce mais tarde e se põe mais cedo. Daí a ideia que o solstício marca o renascimento do Sol, que parecia morrer no horizonte, o que remete a um tempo de renascimento, de renovação da Luz.  
Na metade do período compreendido entre os solstícios, no final de março e de setembro, há dois dias nos quais os hemisférios Norte e Sul recebem a mesma quantidade de luz solar; o dia e a noite possuem a mesma duração.  Neste caso, a inclinação do eixo da Terra não está voltada para o Sol, mas forma um ângulo reto com a linha imaginária Terra-Sol. Estes dias são chamados de equinócios – ‘noite igual’. Por serem entremeios dos ciclos das estações, os povos antigos viam nos equinócios momentos de equilíbrio e também de intensa mudança. Para boa parte dos povos antigos, o equinócio da primavera (vernal) era tempo de nova vida, enquanto o equinócio de outono um festival comemorativo à colheita.
As Festas Solsticiais eram praticadas por gregos e romanos, em suas religiões, mistérios e orgias pagãs. As festas Eleusianas, as Saturnais, as Dionisíacas ou Bacanais, a ceia dos apóstolos e os ágapes dos cristãos primitivos são exemplos de celebrações, sempre de maio a junho e de dezembro a janeiro. Segundo Richard Heinberg os povos antigos sabiam que tudo precisava de um oposto ou complemento para ter significado e vitalidade. Os solstícios, como dobras das estações, sempre foram vistos como tempos nos quais os dois mundos se aproximavam, tempos de perigo e de oportunidades, de vigília e de abundância.
Este autor define a celebração como fator de equilíbrio a comunidade, reforçando a noção de harmonia e dando às pessoas a oportunidade de mostrar mais carinho, discutir assuntos coletivos e combinar festança e política. O Sol, a lua, as árvores, a colheita e os animais eram todos incluídos na celebração. Para Heinberg, mais que relíquias culturais, os festivais sazonais ainda são eventos alegres, divertidos e profundos, que comemoram a vida para nos conectar profundamente com a Terra, com o céu e com a fonte de abundância que temos dentro de nós mesmos.

De qualquer forma desde os selvagens da Idade da Pedra registros históricos evidenciam o culto religioso distribuído segundo a marcha do Sol e da Lua. Os mais toscos monumentos de pedras tinham a orientação de acordo com o sol nascente. Leon Zeldis, em edição da Trolha (1995) observa que o Oriente é a direção sagrada para todas as religiões - antigas e modernas – justamente por ser ali que surge o Sol, a Luz, o Calor e a Vida. Esta tradição se revela na religião, na cultura e mesmo na linguagem. A palavra “orientado” significa olhar para o Oriente. “Um Homem desorientado significa que perdeu seu rumo, seu oriente”, lembra o autor.
A Maçonaria também aproveitou essas duas festas para organizar seus banquetes solsticiais, o que se tornou uma tradição levada muito a sério na Europa. Por falta de documentos, autores contemporâneos negam suposta relação desta tradição com os Templários, já que naquele período os operários se alimentavam na própria obra. Mas ainda na Idade Média, a partir de 1.356 há registros de reuniões fechadas, com privilégios a uma elite ressurgente, os Aprendizes escolhidos, que passaram a ter um local especial para suas reuniões e refeições. Fazer parte dessa elite que surgia era tão importante que o convidado, depois de certo tempo, chegava a pagar um pequeno banquete aos novos companheiros. Com o passar dos anos e séculos, esse costume passou a ser quase que obrigatório entre as corporações de pedreiros.
Quando os Maçons Aceitos começaram a ingressar na Ordem, além de prestigiarem as reuniões e banquetes iniciáticos, eles criaram outro costume: o ingressante, além de pagar as despesas do banquete, ainda oferecia de presente ao seu padrinho e alguns membros, normalmente seu mestre da loja, um avental e um jogo de luvas. Com o predomínio dos Aceitos, eles deixaram os avarandados das construções e passaram a se reunir em locais especiais, como tavernas, estalagens ou cervejarias. Aí o costume evoluiu, adquirindo requintes e um cerimonial organizado, marcando as cerimônias de recepção de um novo membro com as saudações à saúde.
Este costume passou a tomar parte importante em todos os banquetes, resultando na Loja de Mesa, um Banquete Ritualístico adotado pelos ritos Emulação, Francês ou Moderno, Adonhiramita e Escocês. Nos países de língua latina, entretanto, a Loja de Mesa foi adotada somente para os solstícios de Inverno e Verão. José Castelani (1.989) aponta a forte tradição teísta da franco-maçonaria para associar a herança dos banquetes solsticiais como homenagem ao padroeiro São João, em suas duas representações: São João Batista, como precursor de Jesus e anunciador da Luz, em 24 de junho e, a São João Evangelista, em 27 de dezembro. Vale lembrar que é deste, o Evangelho do Espírito, que abre o Livro da Lei em Loja de Aprendiz no verdadeiro e original Rito Escocês Antigo e Aceito.


LINGUAGEM E SIGNIFICAÇÃO
Como vimos, diversas influências sociais e místicas colaboram para a consagração do antigo costume maçônico dos brindes à saúde e as formalidades do Banquete Ritualístico na forma como se pratica hoje. No século XVIII, França e Inglaterra, países de onde o Brasil importa grande parte de seus costumes, os trabalhos em lojas maçônicas, principalmente em sessões de Iniciação, completavam-se com celebrações de ágapes fraternais. No século XIX surgiram os primeiros rituais escritos e com eles as sessões de Loja de Mesa formalizadas com sete “Baterias de Saúde”. Por tradição, estes brindes são feitos com bebidas alcoólicas, com predomínio do vinho tinto. A tese mais aceita como origem se trata do ‘ritual das sete libações’, que consistia em derramar líquidos (vinho, óleo, leite ou mel) como oferendas aos deuses pagãos ligados aos sete planetas conhecidos na antiguidade. No Banquete, pode lembrar os atributos da água, que combate o comportamento egoísta, vaidoso e prepotente.
São permitidas variações culturais locais e alguns autores defendem a necessidade de haver iguarias, alocuções, brindes outros além de itens como música, flores e homenagens, para que o banquete seja de fato uma confraternização. Mas as características alegóricas são semelhantes em todos os lugares. A própria degustação se faz durante toda a duração da cerimônia, inclusive das bebidas. O Fogo Maçônico foi consagrado como uma prática ritualística, porém, não há certeza se o uso nas cerimônias surgiu na França ou na Inglaterra. Conforme o escritor Paulo Marinho de Almeida, a transcrição do comando, sua trilogia e os movimentos dos brindes para a ritualística atual vem de um ritual francês de 1.810. 
É certo que as Lojas Militares exercem forte influência na afirmação da cerimônia da Loja de Mesa. Vem daí a terminologia (Tiro de Canhão, Pólvora, Barrica, Espada...); o Sinal de Saudação feito com a espada, além da trilogia: Fogo, Bom Fogo e o Mais Vivo de Todos os Fogos! O Fogo, na celebração, afasta do mundo profano e representa o amor pelo semelhante. Aliás, o termo “ágape”, para muitos autores, vem do grego e significa amor. Paulo Marinho Almeida relaciona o termo com o Ser supremo e com o próximo, na benevolência, compaixão e beneficência. “Os maçons reunidos ao redor de uma mesa devem prezar pela Liberdade que congregam; pela Igualdade que os une e pela Fraternidade que prodigaliza”, diz ele.
A ritualística do banquete se caracteriza de duas partes dialogais distintas. Os diálogos de abertura e encerramento seguem o rito adotado pela loja e sua obediência e devem ser objetivos e simples, para preservar o motivo da solenidade, que é a celebração solsticial, pelo grande ágape fraternal. A outra parte é a que homenageia os Irmãos e a Irmandade pela alegoria do Fogo Maçônico e dos brindes à saúde, que exaltam a memória da Ordem. O que se consolida ao redor da mesa, neste ato, é o espírito de solidariedade e igualdade entre seus membros. A linguagem, a música e os brindes visam acrescentar beleza e harmonia ao ato de confraternizar.
Para Leon Zeldis, a Maçonaria atribui relevância e sustenta seu ritual em aspectos histórico-culturais para sugerir aos maçons um interesse mais refinado pela Astronomia e lições mais profundas de suas alegorias. Na Loja de Mesa, o maçom não adora o Sol como ser natural ou como Deus, nem glorifica o renascimento do Astro Rei; não celebra a reintegração de Osiris, nem o triunfo da Luz sobre a Treva. Na essência de Homem Construtor, o aspecto do solstício que faz alegoria ao maçom está na ordem e periodicidade dos movimentos estelares, já que exercem efeito sobre a vida no planeta; no ritmo do dia e da noite e no curso das estações.
“Esta regularidade, este ritmo, esta dança sagrada do Cosmos, como a chamam certas teologias, ensina que o Universo segue Leis Imutáveis, ritmos inesquecíveis, tempos e prazos fixos para toda a ‘Eternidade’. A tarefa do Homem esclarecido está em descobrir esses ritmos e ajustar os seus, adquirindo assim esta identificação com a natureza que é a única fonte da verdadeira Felicidade. Todos os mitos da criação insistem que o primeiro ato da Divindade Criadora foi introduzir a Ordem, ali onde imperava o caos. ‘Ordo ab Chao’ é uma das divisas do Rito Escocês. ‘Da Desordem à Ordem’. A Desordem é a Lei da demência; a Ordem caminho da Razão, da Justiça e da Concórdia”. (ZELDIS - 1995)
Neste pensamento, cabe ao Aprendiz, com o trabalho na Pedra Bruta, conhecer a própria personalidade e desbastar as asperezas, procurando ajustá-la a personalidade dos irmãos, pouco a pouco, de forma esclarecida e racional, para construir de forma ordenada o Templo da Virtude. Essa tarefa só pode ser cumprida aperfeiçoando os costumes, ordenando os pensamentos e as palavras, obrigando a razão a tomar controle dos atos. Os rituais e costumes orientam o maçom, com certa ordem, a atuar de forma reta, falar de forma reta e finalmente a pensar de forma reta. É esta regularidade e retidão que lembram a marcha inelutável do Sol. Celebramos o Solstício para recordar essa Regularidade.


CONCLUSÃO
Diversas influências sociais e místicas colaboram para a consagração do antigo costume maçônico, dos brindes de Saúde e as formalidades do Banquete Ritualístico, conforme conhecemos hoje. Mas o quê a celebração do solstício pode nos instigar de concreto para a sociedade de hoje? O discurso da sustentabilidade talvez possa catalisar boa parte desta herança. A evolução da sociedade e dos instrumentos já dispensa superstições comportamentais, mas o temor da “vingança da natureza” parece ser o mesmo das sociedades antigas! Portanto, os sentimentos que inspiram as festas solsticiais ainda podem ser os mesmos.
A Ecologia pode ser a ciência a reunir parâmetros para estes ensinamentos hoje. Entendida de forma plural, ela remete justamente à reflexão sobre a relação do Homem com seu meio e com os semelhantes. A incapacidade de dimensionar os resultados da ação coletiva dos Homens parece ser o fundamento para qualquer debate neste sentido. Seguimos em busca da razão! A marcha do tempo segue como inspiração para lapidar o Homem! No atual estágio da civilização, várias funções da comunidade estão fragmentadas e são raras as pessoas que vivem experiências enriquecedoras. Neste aspecto, a maçonaria se põe como uma rara comunidade, que mantém a essência ao cultivar regularmente os aspectos comuns.  Para o maçom, esta celebração pode ser uma maneira significativa de relembrar a ordem natural das coisas e reafirmar a consciência sobre a força da natureza. 
É certo que ações individuais são insuficientes para provocar qualquer alteração na Humanidade, mas uma vida conduzida com o propósito da retidão pode ser um catalisador de mudanças. O que se precisa é tomar consciência que cada um tem a capacidade de determinar as próprias ações e dirigir os próprios passos, seja na relação com o ambiente, com a comunidade ou consigo mesmo. Escolher a palavra que fala, o livro que lê, o gesto que usa, a atitude que toma, os amigos que cultiva e a forma de tratá-los está ao alcance de cada um. Que fique como lição das celebrações dos Solstícios, o propósito de ordenar os pensamentos, as palavras, ações e sentimentos, para que cada gesto resultante desta determinação possa contribuir com a firmeza do Templo Espiritual, simbolicamente representado na Loja Maçônica, onde ela estiver formada.

BIBLIOGRAFA:
- MANUAL DO BANQUETE RITUALÍSTICO - (2008) – Editora A Trolha – Paulo R. M. de Almeida
- CELEBRANDO OS SOLSTÍCIOS - (2002) - Editora Madras – Richard Heinberg
- ESTUDOS MAÇÔNICOS – História, Simbolismo e Filosofia (1995) – Ed. A Trolha – Leon Zeldis
- A MAÇONARIA – USOS E COSTUMES - (1994) – Editora A Trolha – Assis Carvalho
- CONSULTÓRIO MAÇÔNICO II - (1989) - Editora a Trolha – José Castellani


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