quinta-feira, setembro 06, 2012


Se o Grão-Mestre abusar de seu poder e se mostrar indigno da obediência das Lojas, o caso deve ser tratado da maneira que vier a ser definida em nova regra; já que até ao momento esta antiga Fraternidade não teve necessidade de tal, já que os Grão-Mestres se têm comportado de acordo com esse honroso cargo.

Esta é uma regra deliciosa! Em bom rigor, é uma regra a dizer que não há regra e que, se for preciso, cria-se então a regra! Note-se bem: nunca um Grão-Mestre abusou do seu poder e se mostrou indigno da obediência das Lojas; por isso, não há regra para tratar dessa eventualidade; porém, se um dia algum Grão-Mestre abusar do seu poder e se mostrar indigno da Obediência das Lojas, então, nessa altura, decidir-se-á como tratar do assunto e criar-se-á a regra que se entender adequada.

Esta disposição soa estranha a quem está habituado a um sistema jurídico composto por leis, por normas, previamente fixadas, que abstratamente regulam as situações possíveis, resolvendo-se os casos concretos em função da previsão das normas existentes e aplicáveis - os países de tradição jurídica europeia continental e latino-americana.

Mas os ingleses criaram e habituaram-se a viver num sistema de regras, num sistema jurídico, conhecido comocommon law, em que é importante o sistema de precedente, isto é, cada problema concreto, na falta de uma regra que diretamente regule a situação, é resolvido em função de decisões concretas que anteriormente tenham sido tomadas para resolvercasos similares.

O sistema de common law tem muito menos leis e normas e regulamentos do que os sistemas jurícos do tipo continental. Em contrapartida, necessita de registar cuidadosamente todas as decisões regulatórias de conflitos que sejam tomadas, para possibilitar a busca de precedentes aplicáveis a um dado conflito específico, a uma qualquer situação concreta. É, se quisermos, um sistema que faz um grande apelo à faculdade do bom senso.

Tendo em atenção esta particular forma de regulação da vida em sociedade, já se nos afigura consideravelmente menos estranha, e, de alguma forma, até lógica, esta regra: se nunca aconteceu nesta antiga Fraternidade que um Grão-Mestre abusasse do seu poder, então nunca foi preciso decidir o que fazer nesse caso; por outro lado, não faz muito sentido estar a decidir agora o que fazer numa eventualidade que, pelo exemplo vindo de muito tempo atrás,possivelmente nunca aconteceráMas, se acontecer, então - e só então - decide-se o que fazer... Para quê, realmente, estar a antecipar dores futuras que até podem nunca vir a ser sofridas? Se e quando houver essa dor, então trata-se dela...

Esta é, realmente, uma regra deliciosa, não pela sua aparente falta de objeto, mas pela singular demonstração de puro e simples bom senso, que os maçons do século XVIII deixaram à disposição dos vindouros!

E efetivamente, em Inglaterra, quase trezentos anos decorridos sobre esta regra, nunca foi, afinal, preciso criar regra sobre o que fazer na eventualidade de o Grão-Mestre abusar dos seus poderes: tal como antes, continua a nunca ter sucedido essa eventualidade! Realmente eram dores que não valia a pena que fossem sofridas há trezentos anos...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141. 

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